terça-feira, 1 de agosto de 2017

Porquê?

Máscara, CF
«Se o teatro for de facto um grande pecado, rezo para que a minha salvação só apareça no final da minha vida.»
Rainha Elizabeth, Filme Anonymous

Sempre que me perguntam o porquê de ter escolhido abraçar o teatro para o resto da minha vida, nunca sei como dar uma resposta que satisfaça a curiosidade alheia daqueles que esperam que a resposta seja tão má, que justifique os juízos de valor dos que não compreendem quem escolhe seguir o caminho da arte, ou dos que fazem parte da arte e pensam que só eles "nasceram" para lhe pertencer.

Para ser franca, tento sempre fugir a essa resposta, porque penso que a minha razão deve ser só minha, e na verdade nós nunca somos capazes de expressar completamente o porquê de seguirmos algum caminho, ou o porquê de amarmos algo ou alguém, então porque é que eu tenho sempre de responder a essa pergunta de uma forma artística? Como se deixasse de ser menos amante da minha arte por não saber responder ao porquê de ela ser a minha escolhida. Não é que eu não saiba, só acho que qualquer coisa que eu diga vai sempre ficar aquém da realidade.

Estou a fugir da questão explicando o porquê de me esconder da resposta, mas para vos poder dizer os meus porquês vou apenas falar-vos do que me passa pelo pensamento quando me fazem a tão famosa pergunta "teatro? isso tem profissão? então mas porque escolheste o teatro?"

Primeiro pensamento é sempre a citação com a qual começa este texto. A forma como as pessoas colocam esta questão, remete-me sempre para esta passagem do filme Anonymous, pois ainda hoje o teatro é visto como uma área de "pecado", porque as pessoas não entendem o que nós fazemos, não compreendem como é que alguém pode "fingir" ser outras pessoas, sem que isso seja real. Faz confusão nas mentes alheias que um actor empreste o seu corpo, a sua mente, a sua dedicação a um outro corpo artístico, inexistente, mas que nos faz a nós actores chegar a algum lado.

Não, nós não nos prostituímos, não somos toxicodependentes, nem somos pessoas pouco resolvidas ou que não têm capacidade para tirar cursos de áreas "mais difíceis". 

Segundo pensamento é algo mais pessoal, porque é a minha visão do que o teatro pode ser e representar nas nossas vidas, e consequentemente essa é uma das razões do porque de eu seguir este caminho. Eu acredito que o teatro é uma forma de "salvar o mundo", ou de salvar algum mundo, nem que seja o mundo interior de alguém, ou parte dele. Enquanto espectadora, vejo-me muitas vezes salva pelo teatro, quando saio no fim de um espectáculo e me identifico com qualquer coisa do que vi, ou quando certo momento me toca interiormente, ou até mesmo quando apenas as palavras foram suficientes para me fazer pensar que eu não estou a ser a pessoa que deveria ser. Estes momentos mudam-nos, acredito que não a todos, mas o facto de nos vermos confrontados com outras realidades ficcionais ou reais, faz-nos reflectir, compreender, questionar, tentar mudar ou pelo menos pensar em fazê-lo quando nunca o teríamos feito antes se não nos tivéssemos sentado àquela hora, naquele local. Enquanto pessoa que representa, de todas as vezes que piso o palco sinto no meu ser a necessidade de salvar o mundo a alguém.

Eu acredito que isto é possível, chamem-me louca, sonhadora, o que quiserem, mas para mim o teatro é e deve ser uma tentativa de mudar os mundos. 

Terceiro pensamento é na forma como o teatro nos permite conhecermos-nos interiormente e a capacidade que nos dá de compreender o outro, e a importância do momento presente. As pessoas perdem demasiado tempo das suas vidas a trabalhar em empregos que detestam, a tentar ganhar dinheiro que não presta, a tentar relacionar-se com pessoas que não conhecem e a viver uma vida que não lhes interessa. Quando eu represento outras pessoas, não deixo de ser eu, mas não sou eu. (É confuso, eu sei, mas esse tema ficará para outra publicação.) E esse ser eu e não ser, obriga-me a saber muito bem quem eu sou, e faz-me compreender os outros, colocando-me na sua pele. Tudo isto, obriga-me a ter noção de que preciso de viver no momento presente, no famoso "aqui e agora", faz-me entender a importância das relações com o outro e das relações comigo mesma.  O teatro faz-me sentir viva, pelo simples facto de eu ser obrigada a sentir as minhas emoções no momento presente, sou obrigada a ter consciência de mim, de quem sou, de quem quero ser, do que serei a seguir, do que estou a viver no agora.

Não quero ser mais uma pessoa dormente no meio da vida, é por isso que eu faço teatro.

Acredito que falhei completamente ao tentar explicar-vos o porquê, mas acredito também que com isto me conheceram um bocadinho melhor, são apenas os pensamentos de uma simples aluna de teatro, que já passou pela Escola Profissional de Teatro de Cascais e que se encontra neste momento a tirar a licenciatura em teatro na Universidade de Évora.
Sou ainda uma pequena aprendiz, que nada de importante diz, mas que sabe o porquê de tudo isto a fazer feliz.

Como diria Beckett

«O teatro é, deve ser, um convite a mudar de vida.»



Uma Didascália 

por Carolina

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