segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Marcia e o Método

Representar não é algo que se faça. Em vez de se fazer, acontece. Se começar pela lógica, provavelmente desiste-se. Pode ter uma preparação consciente, mas os resultados vão ser inconscientes.
(...)
O actor cria com a sua própria pele e sangue tudo o que as outras artes tentam descrever de alguma forma.
(Lee Strasberg)


Este verão surgiu-nos a oportunidade de fazer um workshop de introdução ao Método de Lee Strasberg com a actriz, encenadora, dramaturga e formadora Marcia Haufrecht.

Vamos hoje partilhar com vocês a nossa experiência conjunta, abordando os aspectos mais importantes para nós ao longo da semana.

Podemos começar por vos dizer que as nossas expectativas para este workshop eram bastante elevadas, e que apesar de não ter sido um trabalho completamente novo para nós, foi algo que sentimos que precisávamos de trabalhar mais a fundo para podermos passar a outra fase e outro estado. Infelizmente a Carolina não pode ficar os dias todos do workshop, e também por essa razão pensa que teve de fazer tudo um pouco mais à pressa, o que fez com que não tivesse explorado tão à séria como gostaria.

Se nos perguntarem se concordamos com este método no trabalho do actor, a resposta é que não concordamos completamente, e não é o método que pensamos adequar-se a um actor de teatro, e é por essa razão que este método é também tão direccionado para cinema e televisão, mas existem exercícios que retirámos para o nosso trabalho pessoal enquanto actores e pessoas. O método trabalha maioritariamente com as nossas próprias emoções e vivências pessoais, o que pensamos ser prejudicial em alguns pontos, porque mexe muito directamente connosco próprios e por isso pode tornar-se inconstante e descontrolado, já para não falar dos danos que pode causar em nós próprios, por vivenciarmos, experienciarmos vezes e vezes sem conta emoções negativas que já tenhamos passado.

O workshop iniciou-se com uma conversa entre todo o grupo onde a Marcia nos perguntou um a um as coisas básicas de apresentação e depois perguntas mais profundas, como qual o momento mais triste na nossa vida, ou o momento mais embaraçoso ou mais feliz.

Carolina: Confesso que não gostei desta parte. Sou uma pessoa pouco dada a falar das minhas coisas e não gosto de trabalhar com os meus momentos mais tristes ou até mesmo com os mais felizes, porque para além de trazerem más recordações (no caso dos tristes), traz também a melancolia e a tristeza o facto de não poder mais voltar aos momentos felizes. Por outro lado, não conhecendo toda a gente e sabendo que este nosso mundo tem sempre pessoas nas quais não se pode confiar, torna-se difícil para mim falar da minha vida assim, sem reservas, logo no primeiro contacto.
Miguel: Digo-vos que também não sou muito apologista deste tipo de conversas ou de iniciação ao trabalho, mas sou bastante ingénuo e ao invés de me ter rejeitado a fazer o exercício, acabei por partilhar esse momento (talvez a partir de agora não o volte a fazer). Não consigo perceber bem o porquê deste tipo de perguntas, penso que isso já devia estar ultrapassado, o próprio Stanislavski, no ultimo livro, explica que afinal o actor deve ter um pouco mais de cuidado com as suas memórias mais tristes. Fui para lá para aprender, e comecei logo a aprender na primeira conversa ...

Passado isto, os trabalhos durante o workshop concentraram-se em exercícios de relaxamento e concentração do corpo e da mente, onde tínhamos bastante tempo para nos concentrarmos e relaxarmos, usando normalmente uma cadeira ou então deitados no chão.

C: Estes exercícios, são talvez os que eu mais trouxe comigo e mais utilizo, desde o workshop, não só para o trabalho de actriz mas também para mim própria em situações de stress.
M: Estes exercícios, foram muito reconfortantes para mim, já os tinha feito na universidade, mas também já tinha esquecido alguns pormenores dos exercícios e voltar a eles, souberam-me muito bem, assim como o café, pela manhã.

Fizemos também muitos exercícios sensoriais, onde usávamos o toque, o cheiro, a visão, o paladar e a audição. No primeiro que fizemos tivemos a opção de o fazer com a situação da primeira bebida que bebemos quando o dia começa, no nosso caso foi o café.

C: Descobri que tenho muitas dificuldades em recriar sabores, e em ter todas as sensações ao mesmo tempo, especialmente ter os sons e o continuar com o paladar. Neste sentido este exercício foi bom para mim para perceber que preciso de trabalhar este lado da minha imaginação. Foi um exercício difícil para mim, porque sentia que não estava a conseguir chegar ao objectivo. Fizemos também exercícios sensoriais com o momento de tomar banho e com o lugar onde nos sentimos mais seguros, introduzindo uma pessoa, também imaginária (mas que existe na realidade).
M: Foi um exercício muito fácil para mim, adoro café. Foi a primeira bebida que bebi naquele dia, sem ser aguá, e é me muito simples fechar os olhos e recriar sensorialmente o seu cheiro, sabor, temperatura, textura da chávena, aliás, acho que até vocês ao lerem estas linhas o fizeram.

Todos tivemos um pequeno diálogo no qual trabalhámos em pares, onde tínhamos de recriar o espaço das cenas, também maioritariamente imaginário, e onde usávamos muito o trabalho sensorial feito anteriormente.

C: Correu muito bem para mim na primeira improvisação, mas na segunda foi muito complicado por termos um texto a seguir e em inglês. É complicado "jogar" com o outro sem ser na nossa língua, e isso fez com que o trabalho fosse menos interessante, porque por estarmos demasiado concentradas no texto, acabamos por largar as outras partes que constroem a cena.
M: Como éramos muitos, eu não tive oportunidade para fazer uma primeira improvisação. Então o texto foi me dado na quinta feira e tinha que apresentar o exercício na sexta. O meu texto era um texto difícil, envolvia muitos sentimentos amorosos pela outra personagem e esse era o grande desafio. No meu exercício teria que haver beijos na boca, por isso conversei muitas vezes com a rapariga que ia fazer o exercício comigo para saber se ela ia estar confortável com isso, só o faria se ela estivesse à vontade para tal, senão iria sempre parecer tudo falso e o exercício não faria sentido.
Não vos digo que foi fácil, não foi. Quando o exercício terminou a Marcia disse que se ela estivesse a fazer algum casting para o filme daquele texto, eu seria o escolhido para aquela personagem e isso deixou-me muito contente, sabe bem ouvir este tipo de coisas quando te esforças a sério, apesar do exercício ser para mim, para eu crescer, é bom ver o esforço reconhecido.

C: A experiência em si do workshop foi muito enriquecedora porque me fez relembrar exercícios antigos, nos quais nunca mais tinha pegado, e que são realmente úteis no trabalho prático, especialmente porque eu sou daquelas pessoas que está sempre a mudar o seu tipo de aquecimento, e por isso estes "novos" (antigos) exercícios vão servir-me por uns bons tempos. Gostei muita da forma como me senti a fazer o exercício com texto na primeira vez, porque me senti realmente no sítio que estava a imaginar e consegui mesmo visualizar a cena e sentir-me lá, estava bastante disponível e a receber e dar à minha colega, sendo que nos fomos desafiando positivamente ao longo da cena. Mas foi também bom entender que nem sempre conseguimos chegar lá, e foi bom ter consciência de que ainda tenho dificuldade em ter atenção a muitas coisas diferentes ao mesmo tempo.
Basicamente o que vos posso dizer é experimentem!
M: Para mim, este workshop devia ter ido mais longe, devia ter me levado mais além. Não aconteceu, não sei se foi porque eu não deixei ou se foi pela maneira como está desenhado. Aquilo que retirei dele foi bom mas sinceramente não o voltaria a fazer, cada actor tem uma linha onde se sente melhor a trabalhar, e esta não é a minha... Posto isto, considero que foi uma experiência razoável. Mas façam vocês este Workshop e depois digam nos o que ele foi para vocês. 




Uma Didascália
por Carolina e Miguel










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