segunda-feira, 14 de agosto de 2017

O meu Esganarelo

No último texto que aqui vos trouxe, falei-vos num ‘salto’ que tinha dado na minha vida, e hoje, quer queira, quer não queira, venho obrigatoriamente falar-vos de outro ‘salto’ tão ou mais importante que me aconteceu neste mais lindo acidente da minha vida que é o teatro.
Como sabem (senão o sabem ficam a saber) eu licenciei-me na Universidade de Évora no curso de Teatro. No meu primeiro ano, fiz a peça de Frank Wedekind O Despertar da Primavera , desempenhei o papel de Melchior e gostei muito deste projecto, fui submetido a alguns desafios que superei com sucesso e diverti-me muito a fazê-lo, mas soube-me me a pouco… Sabem aquela sensação de que faltou alguma coisa? Que correu tudo bem, mas faltou aquele ‘mas…’? Ainda bem que sabem porque foi mesmo isso que senti!

No entanto, quando já estava no meu segundo ano, fizemos a peça do Molière D. João e eu já tinha lido a peça e tinha adorado o Esganarelo, que é o principal criado do D. João e quem está sempre com ele para onde quer que ele vá. 

A nossa professora, a Ana Tamen, perguntou-nos que personagens queríamos e porquê, ou seja, eu acabei por ficar com a personagem do Esganarelo. Quando começamos os ensaios e a criação do espectáculo, depois de decidirmos que caminho queríamos dar a encenação, foi me pedido que fizesse um Esganerelo que consumisse cocaína e que vivesse nos subúrbios de Londres no século XX. Isto para mim foi um grande grande desafio! Eu iria entrar em cena e na minha primeira fala eu teria que ‘consumir’ cocaína, logo teria que passar o resto da peça com aqueles efeitos no corpo e na voz. 
Inicialmente as coisas não me estavam a correr bem. Estava muito preso ao texto e às minhas marcações. Foi então que a minha professora, que estava a desempenhar o papel de encenadora, me recomendou alguns filmes para me inspirar e que lesse o que são as “acções físicas” do Grotowski. Foi o que eu fiz, não queria que me voltasse a faltar aquele “mas …” , por isso vi os filmes, li, reflecti e pensei sobre as “acções físicas” e fui ensaiar muitas vezes em dias e em horários em que não estavam marcados ensaios, mas eu queria muito fazer um bom papel. 
Cresci muito com todas estas dificuldades que me apareceram neste projecto. Uma das coisas em que também tive muitas dificuldades foi com as chamas “lombrigas” que são falas muito grandes. Não tive praticamente férias ou um período de descanso no Natal, não consegui ir ao aniversário do meu irmão que se encontrava em Lisboa, foi realmente um projecto que me fez crescer muito, e adivinhem? Correu super, super bem. Uma das coisas que também me ajudou muito neste projecto foi a música com que se iniciava o espectáculo. (Carreguem aqui e percebam porquê). 

O produto final, foi uma peça muito bem conseguida por todos nós. As pessoas que foram ver e os restantes professores gostaram muito e elogiaram bastante aquele trabalho. Ou seja, mais uma vez o trabalho, a força e a dedicação acabou por compensar e muito, terminei este projecto com elogio em público por parte da minha professora/encenadora e com a nota final de dezoito valores, foi muito bom mesmo! Tenho tanto orgulho neste meu projecto que falo sobre ele a toda a gente.




Em cena fiz beat-box, dancei, corri, cantei hip-hop, sorri, saltei mas essencialmente fui muito feliz com este Esganarelo e tenho a certeza que ele também o foi comigo.

Posto isto, quero sempre agradecer ao Artur Dinis que fez de Dom João por ter partilhado todos aqueles momentos comigo. Que seja sempre feliz e talentoso como o foi em todo este processo.

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O Artur Dinis diz: «Sem dúvida o maior desafio que tive durante o meu percurso universitário. Uma grande peça trabalhada na companhia dos melhores companheiros que poderia ter! Um eterno obrigado por sermos o que somos, juntos! Posto isto... Esganarelo, prepara te pois para vir comigo!»

Enquanto que a Filipa de Almeida nos diz: «Don Giovanni, D. Juan, D. João, Don John- qualquer que seja o idioma em que é trabalhada a personagem do libertino e mulherengo ícone, nada passa mais despercebido do que a dificuldade de o interpretar sem clichés. Nós conseguimos exceder alguns, e erradicamos outros. Da peça, lembro que foi uma harmonia desafinada entre masculinos e femininos, entre extremos e mínimos, entre libertinos e obcecados. Estou muito grata por ter partilhado esse palco com 'família'.»


Ah! Meu Deus! Eu conheço bem o meu Dom João, como a ponta dos meus dedos e sei bem que o seu coração é o mais inconstante do mundo. Diverte-se em andar de amor em amor, sem nunca ficar preso a nenhum.
-D.João, Moliére

 Ao reler este texto, apercebi-me que o escrevi como se estivesse a ter alguma conversa com alguém, pensei se o deveria modificar, mas acabei por não o fazer, porque este Blogue também é isso, uma conversa entre nós, sobre o teatro, sobre aquilo que sou.


Uma Didascália
por Miguel

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