sábado, 30 de dezembro de 2017

O Palácio do Fim

O tempo não pára, posso neste preciso momento dizer-te que consigo ouvir como barulho de fundo o som do relógio que calmamente fala comigo no seu som monocórdico de sempre. Ele nunca pára, como é que ele consegue nunca parar? Como é que ele consegue ser perfeito a cada milésima de segundo, sempre igual, sem falhas. Porque é que ele não falha? Porque é que eu giro à volta dele e ele me faz falhar tantas vezes, a mim e a ti, e mesmo assim ele nunca falha com ele próprio.

Porque é que o mundo não pára? Ou porque é que me obriga a não parar?

EU QUERO PARAR! Grito interiormente a cada segundo em que o relógio se aproxima cada vez mais de mim. Porque é que tu não me deixas parar quando eu não consigo continuar mais?
Mas continuo. E tu também continuas. Mesmo com a tua mente a gritar “EU NÃO POSSO MAIS”, nós continuamos, continuamos a fingir que vivemos vidas suportáveis, continuamos a fingir que somos todos capazes, continuamos a fingir que aguentamos, continuamos a fingir que somos máquinas. E na verdade, não será que nos tornámos nelas? 

O mundo não pára para tu chorares. O mundo nem sequer quer saber se tu choras. O mundo não pensa em ti. O mundo nem sequer sabe quem tu és. O mundo exige de ti. O mundo precisa de ti. Mas para quê, se somos todos pessoas perdidas no tempo a jogar ao faz de conta? 


Sartre dizia que “O inferno são os outros.” Não, o inferno é o tempo dos outros




Uma Didascália
por Carolina

sábado, 25 de novembro de 2017

Para dizer o que as palavras não conseguem

Uma dança é um agridoce que nos entala a garganta. Um nó no estômago que nos cerra as mãos. Uma ossada que é largada e que se assemelha a uma eterna despedida. “Até já. Foi bom conhecer-te.” – digo sempre que saio de um palco, penso sempre que entro noutro.
Cada entrada e saída são caminhos diferentes que tomamos, mesmo que a coreografia se esqueça, mesmo que a música se engasgue, mesmo que as palmas não se façam ouvir. Dançar é isso mesmo. Caminhar em pontas sobre o trilho da vida, e quando os pés doerem ter a coragem de descalçar as sapatilhas.
É receber o ridículo que dá medo e dar ternura que suporta. Acho que é uma espécie de grito que dou para dizer “vai ficar tudo bem”. Se sempre que dançasse pudesse cristalizar esses momentos, tinha já muitos belos cristais em casa! Mas não consigo… e por isso imprimo no corpo. O melhor sitio para se estar vai ser sempre no palco. A dançar.
E se a cada passo nosso correspondesse um compasso de música, eu ainda poderia estar ali em cima. Talvez eu nunca tivesse saído de lá. Talvez eu tivesse descoberto mais cedo os prós e contras do silêncio exigido pelo ritmo que a vida leva.
Neste preciso instante preciso de parar- dizem. Hoje danço ao ritmo que a minha máquina permite que não é muito, mas que ainda assim me chega para descobrir micro tons para o reinventar todos os dias, quartos de tons suficientes para lhe dar casa e reconfortá-lo em dias menos quentes, e contrapassos entre agudos e graves para o ir abstraindo do tempo real.

Não sou a melhor pessoa para falar de arte, perdi esse prestigio no dia em que saí do ultimo palco que pisei, porém, ninguém me pode parar o corpo quando este grita que no corpo e na alma é que está o coração. Ninguém o pode parar quando ele se sintoniza com o ritmo para se dizer sinónimo de amor. Quando só os artistas amam. Quando só com amor se faz arte. E quando o meu coração estiver cansado, alguém que dance por mim. Quem dança é muito mais amado. Quem dança é muito mais feliz.



Uma Didascália
por Anónimo

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Material I

«Devo falar de mim? Eu, aquela de quem se fala quando falam de mim. Eu, lixo de um homem, eu lixo de uma mulher. Lugar comum sobre lugar comum. Eu, inferno de sonhos que transporta o meu nome ao acaso. Eu, medo do meu nome ao acaso. Eu, corpo de ninguém, abandonado.»
(Texto: Carolina Figueiredo, a partir de Material de Medeia de Heiner Müller)

O que custa é (re)começar.

Como em tudo na vida, até entrarmos no ritmo somos invadidos pela corrida constante do ter de chegar a algum lugar. Depois de um mês sem te escrever, parece difícil encontrar as palavras certas para te contar, uma vez mais, uma das minhas experiências. A verdade é que aquilo que hoje te vou contar também demorou o seu tempo a instalar-se em mim.

Desta vez vou contar-te a minha experiência dividida em três volumes (Material I, II e III) sobre uma disciplina que estou a ter na Universidade, que se chama Prática e Direcção de Actores.

Em Prática e Direcção de Actores, nós temos de dirigir e encenar pelo menos dois colegas e temos também de entrar como actores noutras encenações, tendo todos como base o texto Material de Medeia de Heiner Müller.

Se conheces a história da Medeia, o mito, ou a peça de Eurípides, então a Medeia Material é uma visão dessa Medeia. Medeia a mulher que traí o seu povo para ficar com Jasão. Medeia a mulher que é trocada. Medeia a mulher que mata os filhos. Medeia a mulher que foge.

Como é que eu vou encenar isto? Pensei eu um pouco assustada. Conhecia a história da Medeia, mas o texto de Müller tem uma linguagem um pouco mais complexa do que o de Eurípides, é um texto muito forte que está dividido em três partes: o reconhecimento da catástrofe (o depois da traição de Medeia ao seu povo), o abandono (e as suas consequências: matar os filhos e a mulher com que foi traída) e por fim o vazio que resta depois da "tempestade".

A minha primeira ideia foi transportar esta Medeia para os dias de hoje e imaginei que a cena se poderia passar numa daquelas festas completamente degradantes, onde ninguém se sente bem, mas todos estão no local como se nada fosse. Sabia também que queria que o papel da mulher estivesse bem presente nesta encenação e que houvesse de alguma forma referências ao feminismo, porque a Medeia, é claramente uma mulher de força que representa a tentativa de igualdade entre mulher e homem. Para além disto, tive logo a ideia de que a Medeia iria cozinhar os seus filhos em cena, sendo que me baseei numa realidade que aconteceu há cerca de 4 anos, onde o Daesh cozinhou um dos seus reféns e deu-o a comer à sua mãe. Esta imagem tão crua veio-me à memória no momento em que li o texto e pensei na forma como Medeia poderia ter matado os seus filhos. Dentro deste tema do Daesh, pensei que poderia seguir esta linha também da guerra, fazendo com que o Jasão pudesse ser um membro do Estado Islâmico, de modo a tornar mais actual a história em si. Sabia também que teria de encenar três pessoas, logo teriam de haver três personagens, por isso lembrei-me que a mulher com quem Jasão traí Medeia também teria de estar na minha encenação. Com estes dados encontrei pessoas reais pertencentes ao Daesh no qual cada um dos meus actores se poderia basear e ter referências.

Posta a parte teórica, foi preciso passar à prática.

E agora?

O que é que eu faço com os actores?

Como os vou dirigir para passarmos à parte prática?

E se eles não perceberem nada do que eu pretendo?

E se eu não me souber explicar?

E se isto ficar tudo uma grande * ?

A cabeça parece uma montanha russa de pensamentos, os medos aparecem todos e tornamos-nos inseguros. Acredito que isto seja normal. Acredito que todos nos sintamos perdidos às vezes, mas isso não significa que esteja tudo acabado e que não haja esperança.

Ah, e ainda falta escrever o texto!


Que comece o ensaio, como o nosso professor diria: Acção!


(To be continued)






Uma Didascália, 
Por Carolina


sábado, 28 de outubro de 2017

Memória Descritiva



Neste projecto de pormenorização da pintura, efectuei uma exploração de detalhe infinita de uma cor que gera outras cores totalmente diferentes consoante a edição de imagem, seja o positivo da cor , o negativo ou até o preto e branco trabalhado de maneira a expelir toda a definição da imagem.  As Áreas da pintura que formam o projecto são a gravura, a monotipia, a fotografia e a própria pintura. Dei ênfase à textura de cada técnica pictórica com o objectivo de tornar visível a definição total da obra . 
As matrizes e as imagens finais fazem parte da própria obra , compondo uma composição de pormenores, que desconstrói o significado de uma matriz, inserindo-a na peça/obra final. Assim funciona com a fotografia, pois utilizo esta apenas como se fosse um meio (tal como uma matriz) e não um objecto final para a realização das telas compostas. Posto isto o projecto assume o seu processo, juntando todas as suas fases numa peça final.  
A partir de impressões de monotipias, e fazendo recurso a técnicas de impressão onde o branco funciona como ausência de cor,  resultam telas onde a cor 'branca' funciona apenas como fundo e não como uma cor presente na impressão. 
Este projecto esteve exposto em Évora entre 26 de Junho e 2 de Julho no Edifício da Antiga Estação Rodoviária de Évora.



Uma Didascália
por Gil Ferrão

sábado, 30 de setembro de 2017

Lar

Esta noite acordei com um pesadelo. Sonhei que estavas a morrer, que não havia luz em ti, que estavas cinzenta e triste.

Os dias vão passando, e eu tenho medo de me esquecer de ti. De todos os bons momentos que me proporcionaste, dos dias de sol, das noites quentes de Verão, do teu aroma acolhedor, da maneira como me fazias sentir: segura e aconchegada.

Foste mais do que uma casa, foste a razão pela qual a minha família se juntou durante anos, foste união, paz, felicidade.

Sei o orgulho que sinto por saber que foste construída pelas mãos de um senhor que sabia que o teu propósito, era o amor.

Foste mais que uma casa, viste-me crescer. Chorei dentro das tuas paredes brancas como cal, ri-me nas águas claras da tua piscina, criei amizades à sombra das tuas palmeiras verdes, brinquei debaixo das tuas escadas em caracol, ouvi o mar das tuas varandas compridas, fundamentei laços nos teus sofás amarelos, dormi as melhores noites da minha vida nos teus quartos acolhedores, caí mil e uma vezes na tua garagem, enquanto aprendia a andar de bicicleta.

Apaixonei-me por ti, por tudo aquilo que representas.

Neste momento já não és nossa em papel, mas serás sempre nossa, porque foste mais que uma casa, foste uma família.

«Pensei que, se pudesse tocar neste local ou senti-lo,
O vazio que sinto dentro de mim poderia começar a curar-se
Fora destas paredes é como se fosse outra pessoa
Pensei que talvez me pudesse encontrar.
Se pudesse apenas entrar, juro que me iria embora,
Sem levar nada, além de uma lembrança,
Da casa que me construiu»


Texto inspirado pela música de Miranda Lambert - The house that built me




Uma Didascália 
por Anónimo

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Eis que ela bate no vidro trazendo a saudade

cró·ni·ca 

adjectivo

1. Que dura  muito tempo.

2. [Figurado]  Inveterado. Enraizado. Entranhado.

3. [Medicina Diz-se da doença permanente no indivíduo.



Eu tenho de escrever, mas lá fora está a chover e as palavras fogem-me por entre os espaços vazios, onde a chuva não pode alcançar. Ou talvez a chuva tenha limpo todas as palavras de todos os sítios e tornou-os vazios. Ou fui eu que me tornei vazia. 

Tornei-me vazia no dia em que parti. Escrevo sem pensar e risco. A única coisa que consigo escrever é isto. 

Falas-me numa crónica, mas a única crónica que conheço é o amor. O meu amor. O teu amor. O nosso amor (talvez). 

A chuva apagou o barulho da tua voz, e eu continuo a tentar escrever. Pareço ouvir-te lá ao longe, mas tudo não passa de uma ilusão. Serei também eu uma ilusão? Existo? Existo porque escrevo para ti ou porque tu me está a ler neste momento? Sou porque tu és ou sou porque amo? 

Estás aí? Estás aqui? Grito. A chuva responde-me ao bater na janela e o som das gotas faz-me lembrar o dia em que olhei os teus olhos pela primeira vez. O mundo parece pequeno demais para guardar o nosso amor. E é por isso que eu sou vazia. Porque tentei pedir ao mundo para guardar o nosso amor enquanto eu parti, mas o mundo roubou-me de ti. 

Eu estou aqui e tu estás aí. Também está a chover do teu lado do mundo? Espero que sim. Para me sentires ao pé de ti. 

Porque estás tão longe de mim? Porque tive eu de partir? Não quero ser mais vazia sem ti. Porque só vale a pena ser vazia quando tu roubas o meu amor para ti. 

Tenho de escrever uma crónica sobre ti. Tornei-me vazia no dia em que parti. Vazia de mim, porque não sou nada sem ti ao pé de mim. 


(Amo-te e essa é a única doença pelo qual vale a pena morrer.)



Uma Didascália
por Carolina

É dia de passeio

Enquanto passeava pelas ruas dos meus pensamentos, sentia toda a angustia que qualquer homem sente por pensar e chorava. Nem todos os homens presentes no mesmo presente que eu são dotados deste dom, não o de pensar, sim o de sofrer. Chorar é sofrer de tristeza, chorar é sofrer de alegria. Não sei quantas vezes vou ter que escrever que só escrevo porque amo, mas sei que acabei de escrever isso, amo-te.
Quase nunca consigo escrever para ti, mas não seria capaz de escrever se não fosses tu. A rua dos meus pensamentos é feita dos teus sorrisos e percorrida com o teu amor e isso faz-me chorar porque penso, porque sofro e porque isso me traz alegria. Chorar é berrar com os olhos. É berrar de alegria. É berrar de saudades e tu ainda nem te levantaste da nossa cama. É berrar com as palavras dos olhos. Os teus olhos são o quadro mais belo do Picasso. Enquanto passeava pelas ruas dos meus pensamentos, perguntei-me porque é que tenho que sentir tudo o que sentir implica e o que vi foi tudo aquilo que não dá para explicar. Porque eu só sinto o que não se explica. Se assim não fosse não seria justo para ti, tu mereces uma história impossível, uma historia impossível de contar. Nunca ninguém vai conseguir fazer da nossa historia um filme de amor porque o que eu sinto é teu e eu quero ser invejoso ao ponto de sentir tanto, com tanta força, com tantos olhos aos berros, que isto seja só para ti. Se alguém ousar em sentir por ti ou por outra pessoa aquilo que eu sinto, eu deixo de escrever o que está nas ruas dos meus pensamentos. Prometo. Enquanto ninguém conseguir alcançar o que sentir, significa para nós, isto será nosso. Mesmo sem saberes o significado da palavra nosso. Mesmo sem saberes dos meus olhos, dos meus berros, dos meus berros com os olhos. Mesmo sem saberes da minha rua, da minha rua de pensamentos onde estão os meus sentimentos. Será que o meu coração é feito de sentimentos. Mesmo sem saberes quem é o Picasso e que ele fez um quadro os teus olhos ao ler este texto. Mesmo que nunca saías da nossa cama. Isto será nosso. Enquanto passeava pelas  ruas dos meus pensamentos, vi o teu rosto, um papel, uma caneta. Vi isto.


Uma didascália
por Miguel