sábado, 30 de setembro de 2017

Lar

Esta noite acordei com um pesadelo. Sonhei que estavas a morrer, que não havia luz em ti, que estavas cinzenta e triste.

Os dias vão passando, e eu tenho medo de me esquecer de ti. De todos os bons momentos que me proporcionaste, dos dias de sol, das noites quentes de Verão, do teu aroma acolhedor, da maneira como me fazias sentir: segura e aconchegada.

Foste mais do que uma casa, foste a razão pela qual a minha família se juntou durante anos, foste união, paz, felicidade.

Sei o orgulho que sinto por saber que foste construída pelas mãos de um senhor que sabia que o teu propósito, era o amor.

Foste mais que uma casa, viste-me crescer. Chorei dentro das tuas paredes brancas como cal, ri-me nas águas claras da tua piscina, criei amizades à sombra das tuas palmeiras verdes, brinquei debaixo das tuas escadas em caracol, ouvi o mar das tuas varandas compridas, fundamentei laços nos teus sofás amarelos, dormi as melhores noites da minha vida nos teus quartos acolhedores, caí mil e uma vezes na tua garagem, enquanto aprendia a andar de bicicleta.

Apaixonei-me por ti, por tudo aquilo que representas.

Neste momento já não és nossa em papel, mas serás sempre nossa, porque foste mais que uma casa, foste uma família.

«Pensei que, se pudesse tocar neste local ou senti-lo,
O vazio que sinto dentro de mim poderia começar a curar-se
Fora destas paredes é como se fosse outra pessoa
Pensei que talvez me pudesse encontrar.
Se pudesse apenas entrar, juro que me iria embora,
Sem levar nada, além de uma lembrança,
Da casa que me construiu»


Texto inspirado pela música de Miranda Lambert - The house that built me




Uma Didascália 
por Anónimo

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Eis que ela bate no vidro trazendo a saudade

cró·ni·ca 

adjectivo

1. Que dura  muito tempo.

2. [Figurado]  Inveterado. Enraizado. Entranhado.

3. [Medicina Diz-se da doença permanente no indivíduo.



Eu tenho de escrever, mas lá fora está a chover e as palavras fogem-me por entre os espaços vazios, onde a chuva não pode alcançar. Ou talvez a chuva tenha limpo todas as palavras de todos os sítios e tornou-os vazios. Ou fui eu que me tornei vazia. 

Tornei-me vazia no dia em que parti. Escrevo sem pensar e risco. A única coisa que consigo escrever é isto. 

Falas-me numa crónica, mas a única crónica que conheço é o amor. O meu amor. O teu amor. O nosso amor (talvez). 

A chuva apagou o barulho da tua voz, e eu continuo a tentar escrever. Pareço ouvir-te lá ao longe, mas tudo não passa de uma ilusão. Serei também eu uma ilusão? Existo? Existo porque escrevo para ti ou porque tu me está a ler neste momento? Sou porque tu és ou sou porque amo? 

Estás aí? Estás aqui? Grito. A chuva responde-me ao bater na janela e o som das gotas faz-me lembrar o dia em que olhei os teus olhos pela primeira vez. O mundo parece pequeno demais para guardar o nosso amor. E é por isso que eu sou vazia. Porque tentei pedir ao mundo para guardar o nosso amor enquanto eu parti, mas o mundo roubou-me de ti. 

Eu estou aqui e tu estás aí. Também está a chover do teu lado do mundo? Espero que sim. Para me sentires ao pé de ti. 

Porque estás tão longe de mim? Porque tive eu de partir? Não quero ser mais vazia sem ti. Porque só vale a pena ser vazia quando tu roubas o meu amor para ti. 

Tenho de escrever uma crónica sobre ti. Tornei-me vazia no dia em que parti. Vazia de mim, porque não sou nada sem ti ao pé de mim. 


(Amo-te e essa é a única doença pelo qual vale a pena morrer.)



Uma Didascália
por Carolina

É dia de passeio

Enquanto passeava pelas ruas dos meus pensamentos, sentia toda a angustia que qualquer homem sente por pensar e chorava. Nem todos os homens presentes no mesmo presente que eu são dotados deste dom, não o de pensar, sim o de sofrer. Chorar é sofrer de tristeza, chorar é sofrer de alegria. Não sei quantas vezes vou ter que escrever que só escrevo porque amo, mas sei que acabei de escrever isso, amo-te.
Quase nunca consigo escrever para ti, mas não seria capaz de escrever se não fosses tu. A rua dos meus pensamentos é feita dos teus sorrisos e percorrida com o teu amor e isso faz-me chorar porque penso, porque sofro e porque isso me traz alegria. Chorar é berrar com os olhos. É berrar de alegria. É berrar de saudades e tu ainda nem te levantaste da nossa cama. É berrar com as palavras dos olhos. Os teus olhos são o quadro mais belo do Picasso. Enquanto passeava pelas ruas dos meus pensamentos, perguntei-me porque é que tenho que sentir tudo o que sentir implica e o que vi foi tudo aquilo que não dá para explicar. Porque eu só sinto o que não se explica. Se assim não fosse não seria justo para ti, tu mereces uma história impossível, uma historia impossível de contar. Nunca ninguém vai conseguir fazer da nossa historia um filme de amor porque o que eu sinto é teu e eu quero ser invejoso ao ponto de sentir tanto, com tanta força, com tantos olhos aos berros, que isto seja só para ti. Se alguém ousar em sentir por ti ou por outra pessoa aquilo que eu sinto, eu deixo de escrever o que está nas ruas dos meus pensamentos. Prometo. Enquanto ninguém conseguir alcançar o que sentir, significa para nós, isto será nosso. Mesmo sem saberes o significado da palavra nosso. Mesmo sem saberes dos meus olhos, dos meus berros, dos meus berros com os olhos. Mesmo sem saberes da minha rua, da minha rua de pensamentos onde estão os meus sentimentos. Será que o meu coração é feito de sentimentos. Mesmo sem saberes quem é o Picasso e que ele fez um quadro os teus olhos ao ler este texto. Mesmo que nunca saías da nossa cama. Isto será nosso. Enquanto passeava pelas  ruas dos meus pensamentos, vi o teu rosto, um papel, uma caneta. Vi isto.


Uma didascália
por Miguel 

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Marcia e o Método

Representar não é algo que se faça. Em vez de se fazer, acontece. Se começar pela lógica, provavelmente desiste-se. Pode ter uma preparação consciente, mas os resultados vão ser inconscientes.
(...)
O actor cria com a sua própria pele e sangue tudo o que as outras artes tentam descrever de alguma forma.
(Lee Strasberg)


Este verão surgiu-nos a oportunidade de fazer um workshop de introdução ao Método de Lee Strasberg com a actriz, encenadora, dramaturga e formadora Marcia Haufrecht.

Vamos hoje partilhar com vocês a nossa experiência conjunta, abordando os aspectos mais importantes para nós ao longo da semana.

Podemos começar por vos dizer que as nossas expectativas para este workshop eram bastante elevadas, e que apesar de não ter sido um trabalho completamente novo para nós, foi algo que sentimos que precisávamos de trabalhar mais a fundo para podermos passar a outra fase e outro estado. Infelizmente a Carolina não pode ficar os dias todos do workshop, e também por essa razão pensa que teve de fazer tudo um pouco mais à pressa, o que fez com que não tivesse explorado tão à séria como gostaria.

Se nos perguntarem se concordamos com este método no trabalho do actor, a resposta é que não concordamos completamente, e não é o método que pensamos adequar-se a um actor de teatro, e é por essa razão que este método é também tão direccionado para cinema e televisão, mas existem exercícios que retirámos para o nosso trabalho pessoal enquanto actores e pessoas. O método trabalha maioritariamente com as nossas próprias emoções e vivências pessoais, o que pensamos ser prejudicial em alguns pontos, porque mexe muito directamente connosco próprios e por isso pode tornar-se inconstante e descontrolado, já para não falar dos danos que pode causar em nós próprios, por vivenciarmos, experienciarmos vezes e vezes sem conta emoções negativas que já tenhamos passado.

O workshop iniciou-se com uma conversa entre todo o grupo onde a Marcia nos perguntou um a um as coisas básicas de apresentação e depois perguntas mais profundas, como qual o momento mais triste na nossa vida, ou o momento mais embaraçoso ou mais feliz.

Carolina: Confesso que não gostei desta parte. Sou uma pessoa pouco dada a falar das minhas coisas e não gosto de trabalhar com os meus momentos mais tristes ou até mesmo com os mais felizes, porque para além de trazerem más recordações (no caso dos tristes), traz também a melancolia e a tristeza o facto de não poder mais voltar aos momentos felizes. Por outro lado, não conhecendo toda a gente e sabendo que este nosso mundo tem sempre pessoas nas quais não se pode confiar, torna-se difícil para mim falar da minha vida assim, sem reservas, logo no primeiro contacto.
Miguel: Digo-vos que também não sou muito apologista deste tipo de conversas ou de iniciação ao trabalho, mas sou bastante ingénuo e ao invés de me ter rejeitado a fazer o exercício, acabei por partilhar esse momento (talvez a partir de agora não o volte a fazer). Não consigo perceber bem o porquê deste tipo de perguntas, penso que isso já devia estar ultrapassado, o próprio Stanislavski, no ultimo livro, explica que afinal o actor deve ter um pouco mais de cuidado com as suas memórias mais tristes. Fui para lá para aprender, e comecei logo a aprender na primeira conversa ...

Passado isto, os trabalhos durante o workshop concentraram-se em exercícios de relaxamento e concentração do corpo e da mente, onde tínhamos bastante tempo para nos concentrarmos e relaxarmos, usando normalmente uma cadeira ou então deitados no chão.

C: Estes exercícios, são talvez os que eu mais trouxe comigo e mais utilizo, desde o workshop, não só para o trabalho de actriz mas também para mim própria em situações de stress.
M: Estes exercícios, foram muito reconfortantes para mim, já os tinha feito na universidade, mas também já tinha esquecido alguns pormenores dos exercícios e voltar a eles, souberam-me muito bem, assim como o café, pela manhã.

Fizemos também muitos exercícios sensoriais, onde usávamos o toque, o cheiro, a visão, o paladar e a audição. No primeiro que fizemos tivemos a opção de o fazer com a situação da primeira bebida que bebemos quando o dia começa, no nosso caso foi o café.

C: Descobri que tenho muitas dificuldades em recriar sabores, e em ter todas as sensações ao mesmo tempo, especialmente ter os sons e o continuar com o paladar. Neste sentido este exercício foi bom para mim para perceber que preciso de trabalhar este lado da minha imaginação. Foi um exercício difícil para mim, porque sentia que não estava a conseguir chegar ao objectivo. Fizemos também exercícios sensoriais com o momento de tomar banho e com o lugar onde nos sentimos mais seguros, introduzindo uma pessoa, também imaginária (mas que existe na realidade).
M: Foi um exercício muito fácil para mim, adoro café. Foi a primeira bebida que bebi naquele dia, sem ser aguá, e é me muito simples fechar os olhos e recriar sensorialmente o seu cheiro, sabor, temperatura, textura da chávena, aliás, acho que até vocês ao lerem estas linhas o fizeram.

Todos tivemos um pequeno diálogo no qual trabalhámos em pares, onde tínhamos de recriar o espaço das cenas, também maioritariamente imaginário, e onde usávamos muito o trabalho sensorial feito anteriormente.

C: Correu muito bem para mim na primeira improvisação, mas na segunda foi muito complicado por termos um texto a seguir e em inglês. É complicado "jogar" com o outro sem ser na nossa língua, e isso fez com que o trabalho fosse menos interessante, porque por estarmos demasiado concentradas no texto, acabamos por largar as outras partes que constroem a cena.
M: Como éramos muitos, eu não tive oportunidade para fazer uma primeira improvisação. Então o texto foi me dado na quinta feira e tinha que apresentar o exercício na sexta. O meu texto era um texto difícil, envolvia muitos sentimentos amorosos pela outra personagem e esse era o grande desafio. No meu exercício teria que haver beijos na boca, por isso conversei muitas vezes com a rapariga que ia fazer o exercício comigo para saber se ela ia estar confortável com isso, só o faria se ela estivesse à vontade para tal, senão iria sempre parecer tudo falso e o exercício não faria sentido.
Não vos digo que foi fácil, não foi. Quando o exercício terminou a Marcia disse que se ela estivesse a fazer algum casting para o filme daquele texto, eu seria o escolhido para aquela personagem e isso deixou-me muito contente, sabe bem ouvir este tipo de coisas quando te esforças a sério, apesar do exercício ser para mim, para eu crescer, é bom ver o esforço reconhecido.

C: A experiência em si do workshop foi muito enriquecedora porque me fez relembrar exercícios antigos, nos quais nunca mais tinha pegado, e que são realmente úteis no trabalho prático, especialmente porque eu sou daquelas pessoas que está sempre a mudar o seu tipo de aquecimento, e por isso estes "novos" (antigos) exercícios vão servir-me por uns bons tempos. Gostei muita da forma como me senti a fazer o exercício com texto na primeira vez, porque me senti realmente no sítio que estava a imaginar e consegui mesmo visualizar a cena e sentir-me lá, estava bastante disponível e a receber e dar à minha colega, sendo que nos fomos desafiando positivamente ao longo da cena. Mas foi também bom entender que nem sempre conseguimos chegar lá, e foi bom ter consciência de que ainda tenho dificuldade em ter atenção a muitas coisas diferentes ao mesmo tempo.
Basicamente o que vos posso dizer é experimentem!
M: Para mim, este workshop devia ter ido mais longe, devia ter me levado mais além. Não aconteceu, não sei se foi porque eu não deixei ou se foi pela maneira como está desenhado. Aquilo que retirei dele foi bom mas sinceramente não o voltaria a fazer, cada actor tem uma linha onde se sente melhor a trabalhar, e esta não é a minha... Posto isto, considero que foi uma experiência razoável. Mas façam vocês este Workshop e depois digam nos o que ele foi para vocês. 




Uma Didascália
por Carolina e Miguel










quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O que são Literaturinhas?!

Já vos falei das Literaturinhas que costumo fazer com o teatromosca? Já vos disse o quão divertido é fazer? No que consiste? Como se faz? A sério? Ainda não vos escrevi sobre isso?!
As Literaturinhas são leituras encenadas que o teatromosca leva as escolas e a salas de espectáculos. Tem como grande objectivo mostrar aos espectadores (mais jovens) os clássicos da literatura infanto-juvenil.

E para vos conseguir explicar isto de uma forma explicita, as Literaturinhas nascem de uma encenação de dois actores por texto (por norma), baseiam-se em jogos teatrais de compreensão e riso fácil de forma aos mais jovens conseguirem entender tudo. Têm como regra a utilização de objectos de cena que estejam "mais à mão", ou seja, o que se encontrar nas salas das escola por exemplo, podem e devem ser usados e cada Literaturinha deve ter um tempo estimado de 30 minutos.

Deste ciclo já participei em três, no  O Macaco da Rabo Cortado , O Quarto Rei Mago, O Romance do 25 de Abril  e  A Alice no Jardim.
Para vos ser sincero, o que me deu mais gosto fazer, foi O Romance do 25 de Abril talvez pela história que fala por si, mas o primeiro que fiz foi O Macaco do rabo Cortado e tive o privilégio de fazer com um grande actor e amigo Artur Dinis, que nos deixou a seguinte mensagem:

"Primeiramente, quero agradecer o convite da Carolina Figueiredo e do Miguel Moisés para poder partilhar convosco o que foi, para mim, esta aventura animada: O macaco do rabo cortado.
O primeiro contacto surge através do acompanhamento do trabalho realizado pelo teatromosca que, a partir de pequenas histórias encenadas para crianças, dá origem ás literaturinhas.
Orientados pelo Pedro Alves, director artístico do teatromosca, iniciámos os ensaios que rapidamente deram lugar a momentos de criação e de muita diversão, afinal de contas, contar histórias a crianças é isso mesmo!
A meu ver, poder contar histórias a crianças torna-se um privilégio. Temos a oportunidade de brincar com as nossas palavras e de dar asas à imaginação dos mais pequenos. Podemos contar-lhes contos hoje e esperar que amanhã sejam eles a contar a mais alguém. É assim que as histórias vão passando de geração em geração e poder fazer parte desse ciclo, aparentemente infindável, torna-se muito gratificante.
Seguidamente, dirijo-me ao meu companheiro de histórias. Já fazem alguns anos que partilhamos o mesmo palco, e isso é uma grande mais valia quando trabalhamos juntos. O facto de nos conhecermos mutuamente em palco permite-nos criar com relativa facilidade, conseguindo acatar as ideias e esclarecer dúvidas de cada um arranjando as soluções necessárias para a construção de um bom produto final.
Em suma, fazer teatro para crianças, com um grande amigo de palco e poder contribuir para o seu crescimento são, para mim, os ingredientes necessários para uma boa dose de diversão e aprendizagem"

Se quiserem saber mais alguma informação, deixarei aqui os link's do teatromosca:
http://teatromosca.weebly.com/
https://www.facebook.com/teatromosca1/
https://www.facebook.com/teatromosca/
(Sim, eles têm dois facebooks)




Uma Didascália por
Artur e Miguel

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Somos os actores da nossa própria desgraça

(Imagem Modos de Ver: Sintra)


Hoje vou contar uma das experiências mais assustadoramente belas que tive a assistir ou a representar numa peça de teatro.

Confuso não? Assistir ou representar? É que na verdade venho contar-vos a minha experiência enquanto espectadora do Modos de Ver: Sintra, um audiowalk onde na verdade nós somos os actores, nós fazemos a história, ao mesmo tempo que assistimos ao que vamos ouvindo. Os audios são diferentes em cada pessoa, e há momentos em que estamos em grupo e outros em que estamos separados, consoante o que nos é guiado.

Ora, vocês podem achar que o que vos descrevo é tudo menos uma peça de teatro, mas na verdade, os audio que me calharam no meu percurso guiavam-me muitas vezes para uma ideia de espectáculo próprio, onde as ideias de grupo, atenção, caminho, direcção, objectivo e interacção estão sempre a ser incutidas de forma por vezes subtil, de outras vezes bastante directa. Cabe a nós a decisão de seguir ou não as instruções e no meu caso eu tive a liberdade de ir pelo caminho que quisesse.

Foi Assustador. Desafiante. Desconfortável. Desprotegido. Protegido. Apaixonante. Avassalador.

Foi uma mistura de sensações porque eu me perdi. Literalmente. Eu fiquei perdida no meio do audiowalk, e isto serve para os dois sentidos da palavra perdida. Perdida no espaço e perdida na alma.

Para não vos contar tudo, porque apesar da temporada deste ano já ter terminado, penso que existirão outros audiowalks deste género nos próximos anos e por outros sítios, por isso vou apenas dizer-vos o essencial desta experiência, para que no futuro possam ser vocês a viver tudo ou ainda mais do que aquilo que eu vivi.

O audiowalk aconteceu em Sintra, e no audio que me calhou, a minha primeira indicação era para me afastar do resto das pessoas e caminhar na direcção que eu quisesse, assim o fiz, ao longo da caminhada tive momentos em que vi alguns dos outros participantes/actores, mas tive também momentos em que estive completamente sozinha.

Bom, o grande momento dá-se quando me apercebo que estou sozinha, no meio de uma zona que eu não conheço bem, (eu não sou de Sintra, passo lá muito tempo, mas sou uma pessoa muito má a decorar caminhos, e por isso facilmente me perco), para além disto, eu tenho dificuldade em andar sozinha à noite por razões que não vêm ao assunto neste momento, então deparei-me com uma situação bem complicada quando a meio da minha "caminhada"/representação oiço a indicação do audio/encenador para chegarmos todos a um determinado lugar, dentro de pouco tempo, e a avisar-nos que no início e durante o nosso percurso, foi-nos dando sinais e dizendo para não nos esquecermos dos outros e do grupo, estarmos sozinhos mas ao mesmo tempo em contacto com o outro. E agora? Pensei eu. Estava no meio de alguma estrada escura, já não tinha ninguém ao pé de mim do audiowalk, não tinha horas, (porque me recusei a utilizar o telemóvel, visto que uma das indicações iniciais foi a de não o utilizarmos), e portanto quando me deparei com esse momento, confesso que cheia de medo, corri, muito, quase que como pela minha vida. Procurei indicações, tentei recordar-me de caminhos que conhecia, e cheguei bem antes do tempo ao lugar estipulado. Senti-me segura quando encontrei uma pessoa/actor que também estava no meu grupo do audiowalk.

Os meus pés chegaram à terra, e o meu coração acalmou. Consegui superar o meu medo naquele momento, mas a minha adrenalina estava inconstante. Estava assustada e feliz ao mesmo tempo. Durante a minha caminhada vi sítios que nunca tinha visto, encontrei paisagens que nunca tinha reparado e pisei o chão de uma forma consciente. Estava atenta ao que me rodeava, era só eu, por momentos estava só eu o palco e o encenador, ao mesmo tempo que também estive eu sozinha no palco, e eu própria criei a minha história com base nas histórias e nos textos que fui ouvindo. Os textos guiavam-me para um outro lugar, e guiavam-nos os sentidos. 

Dei por mim a correr de braços no ar, olhar-me nas montras das lojas, seguir o caminho das pedras, imaginar histórias e acreditar no que ia ouvindo, confiei no meu audio/encenador, e fiz a minha própria história (ou deverei dizer desgraça?)

Com tudo isto já estamos todos juntos em grupo, e a partir deste momento iremos permanecer em grupo, deslocamos-nos para uma outra zona, quando chegamos deparamos-nos com uma realidade que poderia ser ficção, volto a sentir o perigo nas veias, mas sinto-me meia dormente ainda da experiência anterior, estamos num local considerado problemático em alguns aspectos, mas prosseguimos com a nossa história ao mesmo tempo que nos encontramos apreensivos. Continuamos a caminhar, e paramos num jardim, assim grande, onde provavelmente à volta o perigo continua à espreita, mas ali, no meio, sentimos-nos seguros.

Sentimos o fim a aproximar-se, e com o fim, o nosso encenador indica-nos que devemos encontrar a pessoa que tem o número de auscultador anterior ao nosso, quando nos encontramos com a pessoa, que me é desconhecida, mas ao mesmo tempo conhecida por ter partilhado o mesmo momento que eu, temos então de contar o nosso dia, e temos de dançar e tocar na pessoa. No nosso colega de palco, aventura, caminhada, no fundo um colega desta humanidade e vida. As pessoas têm muita dificuldade em fazê-lo, vi-o pelo meu parceiro e pelo que observei dos restantes pares, há dificuldade em criar conexões, em conhecer as pessoas, em ouvi-las e em nós próprios conseguirmos mostrar-nos, dar-nos a conhecer. E ali, naquele palco que partilhámos, fomos um grupo, criámos conexão, todos precisámos uns dos outros para avançar.

No fim, acabámos deitados na relva (ou não, é opção de cada um, eu deitei-me) a apreciar a beleza do mundo e das estrelas, e a sentir todas as sensações ecoarem na nossa pele. Ali, no meio do sítio mais inesperado, foi possível encontrar calma, paz.

Confesso que acabei e foi quando cai com os pés na terra que me apercebi dos "perigos" que tinha ultrapassado, e este audiowalk foi sem dúvida uma vitória pessoal para mim.

Quando olho para trás, penso que na verdade o facto de passarmos pelos sítios onde normalmente não passamos, o criarmos o nosso próprio caminho dentro do caminho idealizado e o facto de dar um novo olhar aos locais por onde caminhamos, o irmos pelos caminhos estreitos e escondidos, tudo isto vai ao encontro da ideia de Deleuze e Guatari, no Tratado de Nomadologia. 

E com isto vocês perguntam-se afinal ela foi actriz ou foi espectadora?
Vão experimentar tudo isto e tirem as vossas próprias conclusões. Vão sem medo de se confrontarem com vocês próprios. Vão para aprenderem a conhecer-se a vocês e a observar e fazer parte de algo contigo e com o outro. Vão para aprenderem a saber ouvir. Vão para se sentirem vivos.




Uma Didascália
por Carolina


(Aqui fica o trailer deste espectáculo)




quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Um Francês no Palácio de Oeiras

Hoje venho falar-vos do primeiro convite que recebi para integrar um elenco, depois de me licenciar e vocês irão perguntar-se porque isso é assim tão relevante e depois de se perguntarem (vá perguntem lá) eu vou explicar-vos.

Este romance entre mim e este projecto, começou de uma forma inesperada de tal maneira que até posso afirmar com toda a convicção que a forma como tudo aconteceu dava para ser realizada num filme.
Uns dias antes, tinha visto na internet que se iria realizar um casting para integrar um elenco de uma curta-metragem onde o que procuravam era um actor com as minhas características físicas, enviei logo os meus dados e fui chamado para ir fazer o casting. No dia do casting, enquanto esperava e ia decorando o texto que me tinha sido entregue naquele mesmo dia, recebo uma mensagem de um professor meu, que tinha leccionado a disciplina de Interpretação durante dois anos do meu secundário. Pediu-me para enviar o meu currículo e poucos dias depois contactou-me para integrar o projecto que se iria realizar no Palácio de Oeiras realizado pelos Sons & Ecos.
Desta pequena pequena introdução, temos que reter dois pontos importantes, o primeiro é que, como já vos disse muitas vezes, o trabalho compensa sempre e foi por isso que aquele professor se lembrou de mim. O segundo ponto que é o cómico é que fiz um casting para um projecto e fiquei seleccionado para outro.

Este projecto não foi fácil (algum o é?) porque senti que tive poucos ensaios e isso deveu-se aos horários que o Palácio tem e quando ensaiávamos, aos sábados, tinha sempre que ser durante muitas horas o que fazia com que fosse muito cansativo. Depois porque a personagem principal não iria conseguir estar em todas as apresentações, ou seja, tinha que fazer ensaios com dois actores diferentes para a mesma personagem e vocês sabem o quão difícil isso é, todos nós temos o nosso ritmo, a nossa maneira de trabalhar o texto de o dizer, etc ... e eu tinha que me moldar a isso em praticamente todos os ensaios.
Como este projecto é no Palácio de Oeiras, vocês já se devem ter apercebido que a peça é de Época e esses textos, para mim, são sempre mais complicados de colocar no corpo, porque temos que encontrar a corporalidade certa daquele tempo.

A estreia, apesar de ter havido alguns problemas de texto, correu muito bem e o público, pelo feedback que deu gostou muito. Mas, eu quero vos falar da segunda apresentação, porque essa apresentação deve ter sido a mais difícil que tive, nesta minha pequena carreira de actor, porque o actor com quem contracenava teve uma branca. Sim, uma branca praticamente total. Sim. Ele esqueceu-se do texto quase todo, e então? Então tivemos que improvisar. Não é que eu não goste de o fazer ou que me sinta muito desconfortável ao fazê-lo, mas quando se trata de um texto do século XVIII torna as coisas mais complicadas. Apesar disso o resto do espectáculo correu bem e pelo que soube, ninguém do público se apercebeu do que se tinha passado.

Desde a primeira apresentação o elenco tem vindo a sofrer alterações, mas isso não fez com que a peça não mantivesse o nível que nos comprometemos que tivesse, quando aceitamos este desafio. Para alem disto, no elenco encontram-se mais duas pessoas que fizeram o secundário comigo.

Estou a gostar muito de estar a participar neste projecto porque para além de já ter trabalhado texto d'Época (ver aqui) fazer uma personagem do séc XVIII ou de qualquer outra século passado é me sempre muito desafiante. Esta peço foi representada pela primeira vez quando o ainda Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal, fez 68 anos de vida. Foi representada como forma de celebração pelos seus amigos e familiares. Isto porque como é do conhecimento publico o Marquês de Pombal gostava muito de teatro. Ou seja, nesta peça eu faço de Henrique José filho do Marquês que vai representar na peça, ou seja, é uma personagem dentro de outra personagem e se quiserem perceber melhor, venham ver!



Quero vos dizer que teremos ainda mais duas apresentações no Palácio de Oeiras que serão nos dias 25 de Novembro e 9 de Dezembro e para além destas, sei ainda que iremos levar a peça à Régua e a Pombal, mas ainda não temos datas definidas.



Uma Didascália
por Miguel