segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Moro no rés-do-chão do Pensamento.

Sinto na minha cabeça a velocidade do giro da terra,
E todos os países e todas as pessoas giram dentro de mim,
Centrífuga ânsia, raiva de ir por os ares até aos astros
Bate pancadas de encontro ao interior do meu crânio,
Põe-me alfinetes vendados por toda a consciência do meu corpo,
Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para o Abstracto,
Para o incontrolável, Ali sem restrições nenhumas,
A Meta invisível todos os pontos onde eu não estou, e ao mesmo tempo...

Ah, não estar parado nem a andar,
Não estar deitado nem de pé,
Nem acordado nem a dormir,
Nem aqui nem noutro ponto qualquer,
Resolver a equação desta inquietação prolixa,
Saber onde estar para poder estar em toda a parte,
Saber onde deitar-me para estar a passear por todas as ruas,
Saber onde...
Passagem das Horas, Álvaro de Campos
(Heterónimo de Fernando Pessoa)



Desta vez não venho falar da experiência mais positiva do mundo para mim, mas sim da experiência mais complicada, que penso ter vivido até hoje, neste meio teatral.

Também não vou falar do que correu mal, nem do que correu bem. 

Vou falar do que me marcou. 

Vou falar de Álvaro de Campos. 

Vou falar da vida, da rotina, do desespero, da perda, do vazio, do sentido, do fim. 

Ironia ou não, o excerto com que se inicia esta publicação pertence a um texto que se intitula de Passagem das Horas, ora se vos disser que desde que começou até que acabou eu desejei com todas as minhas forças que tudo acabasse muito rápido, talvez fiquem com uma ideia de como a passagem das horas, dos minutos e dos segundos foi complicada e demorada para mim. 

Andei perdida a grande maioria do tempo e dei tudo o que podia de mim para me conseguir agarrar ao projecto, eu literalmente estava disposta a vender a minha alma ao diabo para conseguir sobreviver lúcida a todo o processo. 

Tudo parecia para mim um grande burrão, o avança e não avança, a falta de motivação, o não conseguir compreender, as constantes mudanças, o cansaço, o desespero, a máquina. 

A M-Á-Q-U-I-N-A, o sentimento de ser uma máquina, a triste vivência do dia-a-dia. A consciencialização do quão máquinas nós somos, nas mãos dos outros e nas nossas próprias mãos.

Quando se pega em Fernando Pessoa e nos seus heterónimos, damos sempre de caras com a dura realidade das sensações. O que ele nos diz é tão cru, tão real, tão estrangulador, tão igual a nós que chega a causar dor.

Nós vivemos todos as passagens de Álvaro de Campos, todos éramos Álvaro, e todos nos identificávamos de alguma forma com o que ele nos diz, e isso foi talvez a melhor coisa que o projecto nos deu.

Confesso que não sei quantas vezes "morri" neste projecto, nem quantas vezes fui obrigada a "sobreviver", talvez este projecto tenha sido um pouco do que Álvaro de Campos sentiu tantas vezes na sua existência, talvez nós, sem nos apercebermos, tenhamos passado pelas mesmas fases que ele passou, e talvez tenha sido isso que fez com que o sentimento de vitória final tenha sido maior do que o esperado.

Fomos Decadentes. Sentimos o tédio, o enfado, o cansaço, a náusea, o abatimento, a necessidade de novas sensações.
Fomos Futuristas/Sensacionistas. Celebrámos as máquinas, a energia mecânica, a civilização moderna. Fomos poluídos fisicamente e mentalmente pela vida moderna. Transgredimos as leis, vivemos o excesso de sensações.
Fomos pessimistas. Ficámos cansados, sentimos-nos vazios, abatidos, incompreendidos, frustrados, revoltados, desiludidos, nostálgicos, sozinhos.

(Acreditem, ironia ou não, isto tudo aconteceu de alguma forma.)

E apesar de tudo isto estar a parecer dolorosamente complicado, no fim, ficou um vazio. Quando tudo terminou, parecia que me tinham arrancado parte de mim, como se afinal não tivesse sido assim tão mau, ou como se mesmo quando as coisas não são tão boas como gostaríamos, se nos entregarmos e dermos de nós, elas vão ter sempre alguma coisa nossa, e é por isso que

«Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar o Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.»
(Fernando Pessoa)

Quando te sentires prestes a desistir, se neste momento quiseres desistir, lembra-te que há sempre alguma coisa que podemos levar connosco nas experiências que ultrapassamos, nada é totalmente mau, mesmo que pareça dolorosamente difícil, tu consegues, tu aguentas, e vais sentir no fim que valeu a pena. Porque na vida nada vem de forma simples, e estamos sempre a ser postos à prova, caso contrário, não estaríamos a viver, estaríamos apenas a existir.


Deixo-vos uma imagem do meu mapa intensivo deste projecto, se não perceberem o que é, não faz mal, eu também não sei bem o que me deu para ser tão eu.


«Perco-me todo de mim, já não vos pertenço, sou vós.»




Uma Didascália
por Carolina



sábado, 26 de agosto de 2017

Uma insónia

Eu não durmo, eu nunca durmo. São 03:12 da manhã e eu não durmo, eu nunca durmo. Neste momento estou a observar a lua, ela é como eu também não dorme. Não durmo porque todos os dias vive em mim uma esperança de que o dia a seguir vai ser melhor e isso, essa esperança não me deixa dormir, consome-me como se eu fosse a última coisa que se pudesse comer num campo de concentração. Passaram vinte minutos desde que escrevi a palavra "concentração" e desde esse momento eu não consegui dormir, eu nunca durmo. Gosto de escrever à noite mas nunca gosto das coisas que escrevo e por isso, penso sempre, sempre que mais valia dormir. Do meu lado direito tenho um cinzeiro cheio de beatas, é o reflexo das minhas insónias. Do meu lado esquerdo tenho um livro de poesia é o reflexo do meu amor. Quanto mais escrevo, menos durmo. A regra da vida é fazer as coisas com amor, eu faço as coisas com sono e com todo o amor que isso implica. Espero que não haja mal por ser assim. Quando não durmo, eu nunca durmo. Fico a ouvir todo o silêncio que existe numa serra e acreditem que é a melhor musica que posso dar ao meu coração. Acho que estou apaixonado. Neste momento queria estar a dormir em vez de estar a vomitar todos os meus pensamentos em frente à lua mais bonita do mundo. A lua mais bonita do mundo vê-se da varanda do meu quarto. É isso, é por isso que eu não durmo. Enquanto aqui estive a conversar contigo, a pensar no que sinto e a sentir tudo aquilo que penso, já se passaram mais quarenta minutos. Sabes que horas são? Amanhã tenho que me levantar cedo e para isso conto com a ajuda do café, o café é o melhor perfume que existe, sabes? Eu gosto de café, eu bebo café, café, café, café. Será por isso que não durmo, eu nunca durmo. Não consigo parar de beber café, não encontro nada que cheire melhor do que o café. Só não paro de escrever porque sei que vais ler, eu escrevo para ti. Estarei apaixonado? Acho que estou apaixonado. Tudo o que faço é por ti, se calhar toda esta esperança que me corre no corpo é devido a ti, aos teus olhos e ao teu coração que lê as coisas que escrevo enquanto deixa cair umas lágrimas de amor sobre o papel. Já te tinha dito que não consigo dormir? Que nunca durmo? Daqui a uns minutos a tinta da caneta vai acabar, acaba sempre por volta das quatro e trinta e seis minutos da manhã, por norma nesse momento, vejo os olhos, deito-me, ali, na minha cama, e vejo e sonho contigo e com uma lua, uma chávena de café, uma caneta e um papel, tu a chorar a rir e eu a beijar-te com os meus olhos, as tuas lágrimas o meu coração, o teu sorriso... Eu não durmo, eu nunca durmo. Esperança. Eu tenho esperança.


Uma didascália por
Miguel Moisés

O Fazedor de Teatro



«Só porque acreditamos em nós
é que resistimos
suportamos
o que não podemos mudar
porque acreditamos na nossa arte.
Se não tivéssemos esta crença
mesmo que seja só na arte dramática
há muito tempo que estaríamos no cemitério.
A nós nada nos interessa 
a não ser a nossa arte
nada mais. 
Possessos da loucura
de certo modo sem vergonha.»
(O Fazedor de Teatro, Thomas Bernhard)

Porque aquilo que nos move é a arte, e porque para mim perderia o sentido presentear-te com algo não relacionado com a minha arte, para te agradecer seguires a nossa Didascália, a nossa arte, e por em conjunto fazeres também parte deste nosso pequeno mundo.

Obrigada por nos acompanhares nesta jornada, por estares neste preciso momento a ler isto, e por acreditares connosco que ainda existe espaço para sonhar.

Seremos loucos? Talvez. O mundo é dos loucos, dizem eles. Então eu quero ser louca contigo, para que o mundo possa ser nosso.



Uma Didascália
por Carolina

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Hamlet (no) FATAL

«Agora estou só, eu, pobre idiota sonhador, impotente para a minha própria causa.
Serei amado? Quem me chama cobarde? Quem me parte a cabeça? Quem me puxa os pelos da barba e me sopre no rosto? Quem me coloca o apódo de mentiroso pela garganta ate chegar aos pulmões? Quem me puxa pelo nariz? 
Tenho o coração de uma pomba. 
É estranho que um filho de um rei assassinado não consiga transmitir por palavras aquilo que vai no seu coração. 
Não represento mais este papel!»
(Citação do espectáculo Pedaços de Hamlet)




Hoje, venho falar-vos de mais um momento muito importante para mim, que foi a ida ao F.A.T.A.L (Festival Anual de Teatro Académico de Lisboa).

No meu terceiro ano de licenciatura, no meu quinto semestre (que é o primeiro semestre do terceiro ano) tive uma disciplina que se chamava Projecto Experimental e foi nesta disciplina em que me senti mais profissional do que aluno,  como o nome da disciplina indica, é um projecto onde podemos experimentar ideias (já explico melhor), mas quero ainda dizer que esta disciplina foi leccionada pela professora Ana Tamen.

Esta disciplina está desenhada para construirmos um espectáculo à medida que vamos experimentando coisas, ideias, pensamentos ou textos, mas neste projecto ainda fizemos uma outra coisa, para mim, um pouco mais arrojada. O nosso ponto de partida foi a cenografia e não um texto. Como fazia 400 anos da morte da Shakespeare, decidimos homenageá-lo trabalhando a peça Hamlet. Mas como queríamos que o nosso ponto de partida fosse a cenografia, não começamos pelo trabalho de mesa que se faz sempre, onde lemos e relemos o texto, onde discutirmos o que se passa em cada cena ou até onde comparamos traduções, mas sim, que ideias cenográficas tínhamos para este texto, que materiais queríamos utilizar, onde o queríamos apresentar e por ai fora. Para tudo isto tivemos a ajuda do professor Luís Santos, que é quem lecciona as disciplinas de Figurinos e Cenografia.


Chegamos então a conclusão que queríamos que a cenografia fosse constantemente uma teia de aranha, onde o Hamlet estava constantemente preso. E está ideia porque? Porque a nossa vida, tal como a de Hamlet, é uma teia de aranha onde estamos constantemente presos a problemas, enganos, mentiras, guerra, roubos... Decidimos, ainda, que iríamos fazer as teias de aranha com charriot's e uns fios elásticos, presos de um lado ao outro do charriot. Tivemos a liberdade para escolher com que pessoas, da nossa turma, queríamos trabalhar, que partes do texto e até podíamos fazer excertos da peça Hamlet Machine de Heiner Müller. O espectáculo ganhou o nome de Pedaços de Hamlet, por ter sido construído por partes e por termos descoberto que a personagem Hamlet estava interiormente em pedaços. Demoramos o semestre praticamente todo a construir este projecto e no dia 28 de Janeiro estreamos em Évora.

Peça feita por Gil Ferrão

Como indica o início deste texto, eu venho falar-vos da minha experiência no F.A.T.A.L, onde levar este projecto foi para mim deliciosamente bom. Carregámos as carrinhas em Évora com o nosso material de cenários e lá viemos nós em direcção a Lisboa! Ficámos hospedados num Hostel ao pé da rotunda do Marquês de Pombal, mas o mais importante para mim, era ter a possibilidade de representar no Teatro Municipal São Luíz, isso foi o mais importante. Fizemos ensaios gerais, de luz, de som. Vi os técnicos de um grande teatro, para mim é um grande teatro, a trabalhar, a montar e desmontar luz e isso impressionou-me muito, a facilidade e a rapidez com que o fazem é de louvar!

Chegou o grande dia, o dia em que íamos apresentar, aquele era o nosso dia e eu estava muito orgulhoso, orgulhoso por mim, pelos meus colegas por ser aquele projecto e aquele texto, por ser com aquela professora, por tudo! Eu estava muito orgulhoso mesmo, tudo aquilo era o culminar do que eu tinha vivido durante a minha licenciatura e isso fez-me muito feliz.

Nunca tinha estado num camarim tão grande, mas quando entrei em palco, pisei aquelas tábuas, senti o cheiro do palco e pensei "A partir de agora, vou me divertir, vou fazer este espectáculo com o maior gozo possível" lembro-me perfeitamente de pensar isso e foi exactamente o que fiz. Não acusei a pressão de estar ali, em frente aquelas pessoas todas e diverti-me ao máximo. Vai ser sem duvida uma experiência que transportarei comigo para sempre!



Fotografias: Luís Santos e Gil Ferrão



Uma Didascália
por Miguel


segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Varvara Mikhailovna

Como distinguir dos outros
O teu amor verdadeiro
Trás sandália, Trás bordão
Concha de Romeiro

Aí morreu senhora e partiu
É somente um morto
Junto aos pés tem uma pedra
Relva sobre o corpo

Canção Ofélia, Hamlet de William Shakespeare 



Um titulo estranho. Uma canção do Hamlet. Um cartaz com uma peça do Chekhov. Qual será a ligação de tudo isto? (Perguntas tu.)

Varvara Mikhailovna é o nome completo da personagem Vária, da peça O Cerejal de Anton Chekhov. 

Eu fui Vária, a pessoa que toma conta de uma herdade, a filha adoptada, a mulher que tenta que lhe obedeçam, a pessoa que tenta colocar tudo em ordem, que não pode ficar sem trabalhar, que parece ter mais consciência do que a própria mãe, que sonha em ser freira, mas ao mesmo tempo quer casar com um homem com quem todos tentam juntá-la, mas que este em nenhum momento é capaz de demonstrar verdadeiramente o que quer. Eu fui Vária, a mulher que tal como Ofélia, não vai para o convento, não consegue salvar a família, não consegue encontrar o amor. Eu fui Vária, no projecto de Oficina de Teatro, na Universidade de Évora, na nossa adaptação chamada Um Jardim de Cerejeiras.

Este projecto está aqui porque me trouxe novos horizontes no trabalho enquanto actriz, fez-me também superar dificuldades e deu-me também uma fantástica consciência do que eu sou enquanto represento. Trabalhámos com o actor e encenador Alexandre Pieroni Calado, e posso afirmar que até ao momento foi o projecto que mais conteúdo me deu. 

O nosso trabalho foi feito à base de improvisação, algo em que até ao momento eu sempre tinha tido muitas dificuldades, e que graças a uma nova introdução do professor, fez com que tudo ficasse mais simples e claro para mim. Trabalhámos a improvisação de cenas especificas do texto de Chekhov, através de situações análogas, ou seja situações reais nossas que se podiam identificar com as sensações e objectivos da cena. Isto para mim fez com que tudo se tornasse muito mais simples e verdadeiro. 

Dentro disto, as personagens foram trabalhadas de forma semelhante, onde o importante não era criar a personagem em si, mas sim encontrarmos-nos na personagem, ou seja, identificarmos os nossos sentimentos e sensações com o que a personagem sente nos determinados momentos, assim conseguimos mostrar sempre uma verdade que parece ser real. As personagens somos nós próprios nas situações propostas, como nos diz Pavis «O actor não representa, mas sim apresenta». As cenas e as personagens deveriam sempre servir o acontecimento principal de cada momento, trabalhávamos em conjunto para que fossem visíveis os momentos de destaque e mudança nas cenas, pois seguiamos as directrizes de Anatoli Vassíliev, que nos diz que o actor deve sempre estar informado em relação a toda a cena, saber as acções e os acontecimentos principais, e com essa informação improvisar, ou seja criar novas coisas a partir do que lhe é dado,encontrar através do instinto momentâneo da improvisação situações que sirvam o acontecimento principal e reagir ao estimulo que o outro nos dá.

Criada a parte do esqueleto, da compreensão das personagens e do meio que as envolve, partimos para um trabalho bastante minucioso onde cada um tinha de criar a sua própria partitura de movimentação exterior e interior da personagem, com base nas marcações do encenador. Este conceito de partitura veio dos textos de Grotowski. Criámos assim as nossas próprias partituras, o que, no meu caso, me deu uma consciência espectacular de toda acção da minha personagem, cada parte do meu corpo tinha uma partitura para cada momento em que eu estava em cena e consequentemente o meu sub-texto fazia parte da partitura. 

Neste tipo de trabalho não há espaço para a auto-critica enquanto estamos em cena, nem há tempo para pensarmos no que os outros estão a pensar, ou no que quer que seja que esteja fora da nossa partitura já planeada e preparada para nos dar a segurança da nossa personagem. É preciso um nível de concentração elevado e consciência do outro que nos rodeia. Estamos sempre presentes na acção e nos acontecimentos principais, no fazer acontecer e como eu posso contribuir para isso. Entramos num outro estado, impossível de colocar em palavras.


«Qualquer artista concorda que há um momento em que existe uma ligação com algo superior ao nosso próprio entendimento.»
Gustavo Santaolalla

Acontece que esta ligação aconteceu comigo, com esta peça, com esta personagem, com este trabalho, e é por isso que ele foi tão importante para mim. Somos sempre seres em constante actualização e mudança, vamos mudando e encontrando as nossas próprias ferramentas de trabalho e compreendendo como podemos melhorar. O processo não foi fácil, mas quando acabou compreendi o valor e importância que teve para mim enquanto futura actriz. Nem sempre, ou quase sempre, o resultado final consegue demonstrar o que fica connosco. Isto foi  parte do que ficou comigo. É longo e extenso. Mas é importante para mim. Foi importante para mim. E é por isso que está aqui. 

Só podemos ser outro sendo nós próprios, aceitando-nos, conhecendo-nos, confiando em nós, e desligando-nos da frequente obsessão de "o que é que os outros estão a pensar de mim?". 
A magia acontece quando saímos do lado de lá da linha, da bolha, da consciência, do conforto. Sejas tu actor, pintor, canalizador...

Eu fui Vária. Eu fui Carolina. Eu fui Varvara Mikhailovna. Eu sou eu. Quem és tu?

Fotografia: Sofia Ribas



Uma Didascália
por Carolina

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Desce como um vaso velho e quebrado, sobe como um vaso novo



No início eras só uma bola de papel
 Esculpi-te como um artista que cria o seu objecto
Pintei-te com as cores dos meus sonhos
Vesti-te com o tecido da minha alma
Dei-te vida com o meu corpo
Criei o teu som a partir da minha voz
Encontrei-te a meio do caminho e contigo encontrei-me no meio deste bonito labirinto
Onde descobri que do nada se pode criar tudo
E que o tudo não precisa de muito para ser credível
Basta darmos um pouquinho de nós ao nosso boneco
E de repente, o nosso boneco transforma-se numa pessoa, e nós transformamo-nos no nosso boneco
 E é então nesse momento que a magia acontece. 

(Carolina Figueiredo)

O Velho, A Viuvinha


Trago-vos desta vez o testemunho de mais um daqueles momentos bonitos que aparecem nas nossas vidas e que nos salvam das fases mais negras deste fantástico (ou não) mundo que nos rodeia. 

A vida é um constante rodopio entre momentos que nos afogam, e momentos que nos agarram e nos trazem à superfície. Talvez seja por isso que vos escrevo sempre dos momentos que me trazem à superfície, em vez de vos falar daqueles que nos rodeiam quando estamos quase a afogar-nos. Porque são os momentos que nos trazem à superfície que nos impedem de nos afogarmos na monotonia solitária do dia-a-dia, e são esses que vale a pena recordar, por serem eles que nos mantém vivos enquanto seres-humanos. 

Apresento-vos o Mamulengo, um género de teatro de marionetas, típico do Brasil, que me foi tão bem demonstrado pela Izabela Brochado e o Marcos Pena. O Mamulengo surge num workshop integrado numa disciplina optativa de Marionetas, que tive este ano na Universidade de Évora. 

O workshop consistiu numa semana intensiva onde nos foi dado um pequeno guião, uma personagem da qual construímos o nosso próprio boneco de luva, as noções mais importantes de como manusear o boneco e de como representar a cena em que estávamos inseridos utilizando os conceitos básicos da representação com marionetas e no Mamulengo em especifico, sendo que o workshop terminou com uma apresentação das cenas trabalhadas. 

Este workshop marcou-me especialmente pela beleza do trabalho feito com os bonecos, a forma como nos afeiçoamos e construímos o boneco, é igual à forma como criamos uma personagem dentro de nós, e é especial apercebermos-nos de como o boneco é também uma parte do que somos. 

O trabalho com marionetas é bastante minucioso e faz-nos explorar ao máximo a forma como a nossa mão pode transmitir todas as emoções do dia-a-dia, eu nunca pensei ser possível mostrar tanta coisa através dos nossos próprios dedos. É preciso diferenciar bem as acções, e observar muito bem como nos comportamos para podermos reproduzir no nosso boneco. Temos também de lhe dar vida através do olhar, que apesar de ser estático tem de estar em contacto com o público e com a personagem com quem interage. É também um belo trabalho de equipa, porque os bonecos têm de dar foco a quem está a falar, de modo a que o público entenda quem é a personagem que está a falar. 

A parte mais engraçada é o que acontece por de trás do "palco" onde os bonecos se movimentam. A forma como os actores se organizam e movimentam faz com que o boneco se torne mais real, até porque a voz reproduz-se em consequência do que acontece com o nosso corpo, por isso, se as experiências estiverem a passar por nós elas vão passar para os nossos bonecos, tornando-os pessoas.








Esta experiência deu-me foco, deu-me novas perspectivas do trabalho do actor, deu-me um novo domínio das minhas mãos e das minhas emoções. Mostrou-me como podemos dar vida ao inanimado de uma forma tão mágica e sobretudo deu-me esperança e felicidade. É um trabalho cheio de boa energia, que nos desafia e nos faz querer fazer mais e melhor, trabalha também bastante a nossa improvisação, pois os textos são à base do improviso e do público, os bonecos estão em constante contacto com o público, e têm de actualizar-se consoante o que os outros bonecos lhes oferecem.

Despeço-me com a letra do cântico que utilizávamos para aquecer, que me parece tão adequado à situação, como à vida, o Mamulengo fez mesmo de mim um "vaso" novo. 

O Mamulengo vai entrar na Ólaria do povo, o Maulengo vai entrar na Ólaria do povo, desce como um vaso velho e quebrado, sobe como um vaso novo, desce como um vaso velho e quebrado, sobe como um vaso novo. 




Uma Didascália
por Carolina 


P.s.: Este texto não pretende explicar a base do Mamulengo, nem como funciona, mas sim dar o testemunho da experiência em si do workshop. Para mais informações sobre o tema deixo-vos aqui um link, e estou disponível para publicar o meu relatório sobre o workshop caso seja necessário.







segunda-feira, 14 de agosto de 2017

O meu Esganarelo

No último texto que aqui vos trouxe, falei-vos num ‘salto’ que tinha dado na minha vida, e hoje, quer queira, quer não queira, venho obrigatoriamente falar-vos de outro ‘salto’ tão ou mais importante que me aconteceu neste mais lindo acidente da minha vida que é o teatro.
Como sabem (senão o sabem ficam a saber) eu licenciei-me na Universidade de Évora no curso de Teatro. No meu primeiro ano, fiz a peça de Frank Wedekind O Despertar da Primavera , desempenhei o papel de Melchior e gostei muito deste projecto, fui submetido a alguns desafios que superei com sucesso e diverti-me muito a fazê-lo, mas soube-me me a pouco… Sabem aquela sensação de que faltou alguma coisa? Que correu tudo bem, mas faltou aquele ‘mas…’? Ainda bem que sabem porque foi mesmo isso que senti!

No entanto, quando já estava no meu segundo ano, fizemos a peça do Molière D. João e eu já tinha lido a peça e tinha adorado o Esganarelo, que é o principal criado do D. João e quem está sempre com ele para onde quer que ele vá. 

A nossa professora, a Ana Tamen, perguntou-nos que personagens queríamos e porquê, ou seja, eu acabei por ficar com a personagem do Esganarelo. Quando começamos os ensaios e a criação do espectáculo, depois de decidirmos que caminho queríamos dar a encenação, foi me pedido que fizesse um Esganerelo que consumisse cocaína e que vivesse nos subúrbios de Londres no século XX. Isto para mim foi um grande grande desafio! Eu iria entrar em cena e na minha primeira fala eu teria que ‘consumir’ cocaína, logo teria que passar o resto da peça com aqueles efeitos no corpo e na voz. 
Inicialmente as coisas não me estavam a correr bem. Estava muito preso ao texto e às minhas marcações. Foi então que a minha professora, que estava a desempenhar o papel de encenadora, me recomendou alguns filmes para me inspirar e que lesse o que são as “acções físicas” do Grotowski. Foi o que eu fiz, não queria que me voltasse a faltar aquele “mas …” , por isso vi os filmes, li, reflecti e pensei sobre as “acções físicas” e fui ensaiar muitas vezes em dias e em horários em que não estavam marcados ensaios, mas eu queria muito fazer um bom papel. 
Cresci muito com todas estas dificuldades que me apareceram neste projecto. Uma das coisas em que também tive muitas dificuldades foi com as chamas “lombrigas” que são falas muito grandes. Não tive praticamente férias ou um período de descanso no Natal, não consegui ir ao aniversário do meu irmão que se encontrava em Lisboa, foi realmente um projecto que me fez crescer muito, e adivinhem? Correu super, super bem. Uma das coisas que também me ajudou muito neste projecto foi a música com que se iniciava o espectáculo. (Carreguem aqui e percebam porquê). 

O produto final, foi uma peça muito bem conseguida por todos nós. As pessoas que foram ver e os restantes professores gostaram muito e elogiaram bastante aquele trabalho. Ou seja, mais uma vez o trabalho, a força e a dedicação acabou por compensar e muito, terminei este projecto com elogio em público por parte da minha professora/encenadora e com a nota final de dezoito valores, foi muito bom mesmo! Tenho tanto orgulho neste meu projecto que falo sobre ele a toda a gente.




Em cena fiz beat-box, dancei, corri, cantei hip-hop, sorri, saltei mas essencialmente fui muito feliz com este Esganarelo e tenho a certeza que ele também o foi comigo.

Posto isto, quero sempre agradecer ao Artur Dinis que fez de Dom João por ter partilhado todos aqueles momentos comigo. Que seja sempre feliz e talentoso como o foi em todo este processo.

´
O Artur Dinis diz: «Sem dúvida o maior desafio que tive durante o meu percurso universitário. Uma grande peça trabalhada na companhia dos melhores companheiros que poderia ter! Um eterno obrigado por sermos o que somos, juntos! Posto isto... Esganarelo, prepara te pois para vir comigo!»

Enquanto que a Filipa de Almeida nos diz: «Don Giovanni, D. Juan, D. João, Don John- qualquer que seja o idioma em que é trabalhada a personagem do libertino e mulherengo ícone, nada passa mais despercebido do que a dificuldade de o interpretar sem clichés. Nós conseguimos exceder alguns, e erradicamos outros. Da peça, lembro que foi uma harmonia desafinada entre masculinos e femininos, entre extremos e mínimos, entre libertinos e obcecados. Estou muito grata por ter partilhado esse palco com 'família'.»


Ah! Meu Deus! Eu conheço bem o meu Dom João, como a ponta dos meus dedos e sei bem que o seu coração é o mais inconstante do mundo. Diverte-se em andar de amor em amor, sem nunca ficar preso a nenhum.
-D.João, Moliére

 Ao reler este texto, apercebi-me que o escrevi como se estivesse a ter alguma conversa com alguém, pensei se o deveria modificar, mas acabei por não o fazer, porque este Blogue também é isso, uma conversa entre nós, sobre o teatro, sobre aquilo que sou.


Uma Didascália
por Miguel

terça-feira, 8 de agosto de 2017

No fim, o Início

O ano de 2013 foi muito importante para mim, primeiro porque terminei o meu secundário, depois porque foi o ano em que entrei para a universidade e por fim porque me estreei como actor profissional, este foi um ano muito bom para mim e é sobre a minha estreia como actor que vos irei escrever nesta minha nova Didascália. 

Como forma de introdução, quero vos dizer que estudei teatro no secundário no curso de Técnico de
Artes do Espectáculo e Interpretação (TAEI) e durante os três anos, décimo, décimo primeiro e décimo segundo fiz vários estágios onde tive o prazer de trabalhar e conhecer alguns actores de Sintra. Durante o meu último estágio recebi um convite para participar numa produção que a Utopia Teatro iria realizar no Palácio da Vila de Sintra. A peça chamar-se-ia “Conspiração no Palácio” e iria relatar os nove anos que o Rei D. Afonso VI viveu neste mesmo Palácio.

Quando recebi este convite, fiquei mesmo muito contente, sabem a alegria que é acordar e saber que alguém fez café? A minha alegria era bem maior do que isso! Iria estrear-me como profissional com alguns dos actores que trabalharam comigo enquanto estagiário. Estava super feliz, o meu trabalho e a minha dedicação durante aqueles três anos estavam a ser recompensados. Tive a sensação de “trabalho cumprido com sucesso” e fiquei muito contente comigo. Mas esse convite, esta minha estreia como profissional iria obrigar-me a mudar a página, tinha que olhar para esta oportunidade de forma diferente, tinha que ser profissional, tinha que tentar estar sempre ao nível dos actores com quem ia contracenar. Foi a isso que me propus, pensei para mim “ Agora não posso deixar que o público olhe e perceba que há muitas diferenças entre mim e os meus restantes colegas” e esta pensamento fez dedicar-me muito a este projecto, trabalhei muito, como tinha vindo a fazer sempre mas desta fez, como profissional e com o que tudo isso acarta. Isto fez com que eu obrigatoriamente “desse o salto” durante aquele verão (sim, a peça esteve em cena durante o verão de 2013) eu não iria ser mais aluno, tinha que ser um profissional!

Este acontecimento foi um grande marco na minha vida, tudo o que aprendi, os amigos que fiz, as dificuldades que passei, os sorrisos que ganhei fizeram-me crescer enquanto ser humano e enquanto artista e por isso tenho que ter sempre na minha memória todo este processo e todas as pessoas que fizeram parte dele e da minha (pequena) história de actor.

A peça foi escrita e encenado pelo Nuno Vicente mas continha também uma farsa “O Fidalgo Aprendiz” de Francisco Manuel de Melo. Para a escrita desta peça o Nuno bebeu muito da biografia de D. Afonso VI escrita por Ângela Barreto Xavier e Pedro Cardim.
O elenco de "Conspiração no Palácio" foi constituído por Alfredo Pereira, Carla Trindade, Cirila Bossuet, Flávia Lopes, Flávio Tomé, Inês Goes, João Mais, Rui Peralta, Sandra Canelas, Marisa Matos, Miguel Moisés, Nuno Freitas e Tiago Matias





Quero dizer-vos ainda que a grande lição que tirei de tudo o que me aconteceu no secundário que se finalizou com esta peça, é que o trabalho e a dedicação compensa sempre!
Caro Diário: Santos dias! Eu chamo-me Beltrão.
Beltrão, Beltrão, Beltrão: sou um dos homens do Conti, muito trapalhão e sempre com a cabeça nos astros!
Tal como Brites, nunca imaginei chegar tão longe na nossa missão dentro do Palácio - quem imaginaria?
Vim da rua: Conti é como se fosse um pai para mim.
Tal como todas os outros, escondo segredos - que segredos serão?


Por mim, quero vos dizer que esta companhia de teatro, infelizmente, já acabou, mas vou deixar-vos aqui os link’s do site, do facebook deles e de uma canção que era cantada por nós na peça.

Uma didascália por

Miguel Moisés

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

«O homem nada sabe sem queimar os seus pés no fogo ardente.»




As experiências só passam verdadeiramente por nós quando já estão ultrapassadas. Ultrapassadas no sentido em que não mais podemos retornar a elas. Pelo menos, comigo, tem acontecido deste modo. Ou no tema especifico deste texto, aconteceu assim. 

A experiência de que vos vou falar aconteceu há cerca de 3 anos, quando eu me encontrava no meu último ano da Escola Profissional de Teatro de Cascais (EPTC), e foi esta que vos escolhi contar por ter sido o momento em que eu realmente senti que tinha dado o salto, psicologicamente e artisticamente, não no sentido exterior, mas interior, quando eu finalmente saí da minha bolhinha e decidi abraçar as experiências com todo o meu ser. 

Confesso que só me apercebi de que tinha sido aí o ponto de viragem, quando há pouco tempo estava a pensar sobre todo o meu processo pessoal ao longo destes anos. Falo-vos do momento em que fizemos Antígona de Sófocles, as pessoas que já fizeram parte da EPTC, ou que estavam comigo nessa altura, vão achar estranho eu não escolher falar d'As Criadas ou da minha PAP (Prova de Aptidão Profissional), mas na realidade foi com o processo da Antígona que eu mais aprendi. Aliás para falar deste processo, que foi feito com a professora Beatriz Batarda e o apoio do professor Miguel Graça, não posso ignorar os processos anteriores que tive com a professora Beatriz, logo muitas das coisas que vos vou dizer, podem ter acontecido antes da Antígona, mas apenas foram aplicadas por mim nesse momento. 

Acabada a contextualização, passemos para a parte prática. Não vos vou fazer uma descrição do que aconteceu. Nem pouco mais ou menos irei contar-vos a história da Antígona. Vou apenas mostrar-vos o que ficou comigo até hoje, aquilo que me marcou e que me fez mudar, ou acordar. 

Lembro-me do dia em que a professora Beatriz me disse que o caminho para sair da bolha era meu, que ela apenas nos dá as bases, as condições para o fazermos, mas somos nós que temos de decidir e de tomar a atitude de o fazer. Demorei 1 ano a conseguir chegar a esse momento, e soube que até esse momento tudo o que tinha feito tinha sempre ficado dentro da linha do certo, do pouco profundo, do "bemzinho", mas aquele "bemzinho" que não chega. 

Cheguei lá através da dedicação, quando me propus realmente a fazer o que tinha de ser, a ir mais longe, a deixar-me ir, a permitir-me sair do conforto. Foi-me atribuída a personagem Antígona, e mais uma vez eu preferia ter ficado na minha zona confortável e ter feito uma personagem mais "simples", lembro-me de estar a atravessar uma fase pessoal complicada e de me ter agarrado à Antígona como se fosse a única esperança que me restava, talvez tenha sido isso que me fez dar o salto. 

Quando nos encontramos perdidos procuramos desesperadamente uma forma de dar sentido à vida. Eu encontrei, mais uma vez, o sentido da minha vida no teatro. Talvez tenha sido por isso que no momento não me apercebi da importância dos conhecimentos que adquiri, de forma não consciente. Porque sei bem que não aproveitei nem metade do que a professora Beatriz me tentou ensinar, mas as coisas que ficaram, foram fortes o suficiente para ficar incorporadas dentro de mim, o suficiente para hoje eu compreender a sua importância e perceber o seu sentido. Lá está, nós só percebemos as experiências, ou só compreendemos a sua função e importância quando elas já só fazem parte da nossa memória. Aqui entra a citação que dá titulo a este texto, é uma citação da peça de que vos falo, que faz todo o sentido em relação ao que vos tento transmitir, aprendemos quando caímos, quando ultrapassamos as barreiras, quando aceitamos os desafios e os abraça-mos. 

O trabalho feito com a professora Beatriz é muito à base da relação do texto com a emoção, ficou-me sempre gravada esta sua frase. «a emoção é uma consequência do texto», trabalhamos sem forçar emoções, o texto ganha grande peso na acção, fizemos um trabalho exaustivo com os três círculos de atenção (1º circulo- eu, 2º circulo - eu e o outro, 3º circulo - eu e o mundo), fizemos muitos exercícios de grupo de imaginação/improvisação, para criação de espaços e momentos, trabalhámos com as acções de movimento do Laban, tanto em termos de corpo como de modo de dizer o texto (empurrar, deslizar, pontear, torcer, flutuar, chicotear, sacudir, soquear) e também com a direcção (directa ou indirecta), peso (pesado ou leve), velocidade (rápida ou sustentada), fluência (livre ou controlada). As grandes bases do trabalho feito são sempre as 7 palavras que vocês encontram na imagem: objectivo, obstáculo, acção, conflito, emoção, actualizar, circunstâncias adquiridas

Apesar de a Antígona ter sido o meu ponto de viragem, não o foi pela apresentação em si, mas sim pelo processo. O momento em que nos deixamos de preocupar com os outros, de tentar agradar os outros, ou de querer fazer bem, esse momento só chegou mais tarde para mim. Mas foi aqui que eu senti que podia fazer algo de diferente, que podia realmente conseguir alguma coisa, foi aqui que eu finalmente entendi o que exige ser actor, e foi aqui que eu deixei a Carolina deixar de comandar tudo, e passar a ser algo entre eu e mais um mundo. 

Aproveitemos mais o que nos tentam dar no aqui e agora, porque um dia percebemos que o agora não volta mais, e ficamos apenas com um bocadinho do que poderia ter sido muito. 

Para que a esperança nunca abandone os vossos corações, mesmo nos momentos mais negros, lembrem-se

«Existe sempre uma porta de saída.»

- Beatriz Batarda



Uma Didascália

por Carolina



P.s.: Para quem não conhece a história da Antígona, deixo aqui um link onde poderão encontrar um resumo. 







terça-feira, 1 de agosto de 2017

Porquê?

Máscara, CF
«Se o teatro for de facto um grande pecado, rezo para que a minha salvação só apareça no final da minha vida.»
Rainha Elizabeth, Filme Anonymous

Sempre que me perguntam o porquê de ter escolhido abraçar o teatro para o resto da minha vida, nunca sei como dar uma resposta que satisfaça a curiosidade alheia daqueles que esperam que a resposta seja tão má, que justifique os juízos de valor dos que não compreendem quem escolhe seguir o caminho da arte, ou dos que fazem parte da arte e pensam que só eles "nasceram" para lhe pertencer.

Para ser franca, tento sempre fugir a essa resposta, porque penso que a minha razão deve ser só minha, e na verdade nós nunca somos capazes de expressar completamente o porquê de seguirmos algum caminho, ou o porquê de amarmos algo ou alguém, então porque é que eu tenho sempre de responder a essa pergunta de uma forma artística? Como se deixasse de ser menos amante da minha arte por não saber responder ao porquê de ela ser a minha escolhida. Não é que eu não saiba, só acho que qualquer coisa que eu diga vai sempre ficar aquém da realidade.

Estou a fugir da questão explicando o porquê de me esconder da resposta, mas para vos poder dizer os meus porquês vou apenas falar-vos do que me passa pelo pensamento quando me fazem a tão famosa pergunta "teatro? isso tem profissão? então mas porque escolheste o teatro?"

Primeiro pensamento é sempre a citação com a qual começa este texto. A forma como as pessoas colocam esta questão, remete-me sempre para esta passagem do filme Anonymous, pois ainda hoje o teatro é visto como uma área de "pecado", porque as pessoas não entendem o que nós fazemos, não compreendem como é que alguém pode "fingir" ser outras pessoas, sem que isso seja real. Faz confusão nas mentes alheias que um actor empreste o seu corpo, a sua mente, a sua dedicação a um outro corpo artístico, inexistente, mas que nos faz a nós actores chegar a algum lado.

Não, nós não nos prostituímos, não somos toxicodependentes, nem somos pessoas pouco resolvidas ou que não têm capacidade para tirar cursos de áreas "mais difíceis". 

Segundo pensamento é algo mais pessoal, porque é a minha visão do que o teatro pode ser e representar nas nossas vidas, e consequentemente essa é uma das razões do porque de eu seguir este caminho. Eu acredito que o teatro é uma forma de "salvar o mundo", ou de salvar algum mundo, nem que seja o mundo interior de alguém, ou parte dele. Enquanto espectadora, vejo-me muitas vezes salva pelo teatro, quando saio no fim de um espectáculo e me identifico com qualquer coisa do que vi, ou quando certo momento me toca interiormente, ou até mesmo quando apenas as palavras foram suficientes para me fazer pensar que eu não estou a ser a pessoa que deveria ser. Estes momentos mudam-nos, acredito que não a todos, mas o facto de nos vermos confrontados com outras realidades ficcionais ou reais, faz-nos reflectir, compreender, questionar, tentar mudar ou pelo menos pensar em fazê-lo quando nunca o teríamos feito antes se não nos tivéssemos sentado àquela hora, naquele local. Enquanto pessoa que representa, de todas as vezes que piso o palco sinto no meu ser a necessidade de salvar o mundo a alguém.

Eu acredito que isto é possível, chamem-me louca, sonhadora, o que quiserem, mas para mim o teatro é e deve ser uma tentativa de mudar os mundos. 

Terceiro pensamento é na forma como o teatro nos permite conhecermos-nos interiormente e a capacidade que nos dá de compreender o outro, e a importância do momento presente. As pessoas perdem demasiado tempo das suas vidas a trabalhar em empregos que detestam, a tentar ganhar dinheiro que não presta, a tentar relacionar-se com pessoas que não conhecem e a viver uma vida que não lhes interessa. Quando eu represento outras pessoas, não deixo de ser eu, mas não sou eu. (É confuso, eu sei, mas esse tema ficará para outra publicação.) E esse ser eu e não ser, obriga-me a saber muito bem quem eu sou, e faz-me compreender os outros, colocando-me na sua pele. Tudo isto, obriga-me a ter noção de que preciso de viver no momento presente, no famoso "aqui e agora", faz-me entender a importância das relações com o outro e das relações comigo mesma.  O teatro faz-me sentir viva, pelo simples facto de eu ser obrigada a sentir as minhas emoções no momento presente, sou obrigada a ter consciência de mim, de quem sou, de quem quero ser, do que serei a seguir, do que estou a viver no agora.

Não quero ser mais uma pessoa dormente no meio da vida, é por isso que eu faço teatro.

Acredito que falhei completamente ao tentar explicar-vos o porquê, mas acredito também que com isto me conheceram um bocadinho melhor, são apenas os pensamentos de uma simples aluna de teatro, que já passou pela Escola Profissional de Teatro de Cascais e que se encontra neste momento a tirar a licenciatura em teatro na Universidade de Évora.
Sou ainda uma pequena aprendiz, que nada de importante diz, mas que sabe o porquê de tudo isto a fazer feliz.

Como diria Beckett

«O teatro é, deve ser, um convite a mudar de vida.»



Uma Didascália 

por Carolina

E tu, sabes porquê?



Porquê queres ser actor? Porquê o teatro?
Porquê? Porquê? Porquê? Porquê? (...) 

(antes de mais quero vos pedir desculpa, porque se estavam a espera de uma grande justificação, super bem escrita e de forma académica não é em mim que a irão encontrar)

Vocês não imaginam a quantidade de vezes que me fazem esta pergunta, mas também não imaginam a quantidade de vezes que eu próprio me faço esta pergunta... E nunca, nunca sei qual a resposta que querem que eu dê. Eu não sei porquê, mas sei perfeitamente o porquê, e isto não se explica, sente-se!
Ainda hoje de manhã me fizeram esta pergunta e a minha resposta foi "O teatro é o acidente mais bonito que tive na minha vida", porque o teatro é um acidente, um acontecimento, mas se agora, amanhã ou daqui a cinco minutos me fizessem esta pergunta a minha resposta seria completamente diferente, porque em todos os segundos, eu sinto uma nova motivação para continuar a fazer teatro, para continuar a sentir-me teatro!

Vou tentar explicar-me melhor, sabem aquele sentimento que qualquer médico sente quando salva uma vida? Ou aquilo que as mulheres sentem quando alguém as pede em casamento? Não, esperem, já sei, conseguem imaginar tudo o que qualquer mulher sente depois de dar à luz? Eu sinto tudo isto, todas estas sensações, todos esses sentimentos, sempre que piso um palco. Não! Esperem! Acho que não me estou a explicar bem, vocês conseguem imaginar o que é mudar o mudo de alguém? O teatro são pessoas que se disponibilizam de corpo e alma para tratar de pessoas. É mágico. E esta magia não se explica por palavras, mas sim pelo brilho dos olhos. Se vocês estivessem aqui ao meu lado, enquanto eu escrevo este texto e me lembro de tudo o que o teatro já me proporcionou, iriam ver o brilho dos meus olhos e iriam perceber que é igual ao brilho dos olhos de um bebé quando olha pela primeira vez para a mãe.

Não vos estou a persuadir para serem actores/actrizes, nada disso, estou apenas a tentar colocar aqui, por palavras, aquilo que eu sinto por esta arte. Apesar de achar que estou a ser um fiasco, vou continuar a tentar-me explicar, eu já fazia parte do teatro, bem antes de o começar estudar, e cada vez tenho mais certezas disso, o teatro permite-me ser todos os dias quem eu sou e eu não conseguiria viver se assim não fosse. Desde tenra idade que sempre quis ajudar as pessoas, sempre tive essa necessidade, que todos a minha voltam estivessem bem, e o teatro permite me fazer isso sempre que entro em cena ou piso um palco e não me digam o contrário porque eu sinto-o, sinto sempre que as minhas palavras, acções ou seja lá o que for que eu fizer em palco, serviu para ajudar alguém, mas parece-me que já estou a fugir a pergunta. Acho que é isso que faço quando alguém me faz esta pergunta, porque acho que nunca vou conseguir explicar-me como deve ser o porque de ter escolhido esta profissão para a minha vida, mas vou fugindo dizendo a verdade... Talvez, se alguma vez me virem em palco, consigam compreende o porquê da minha escolha e se assim for, prefiro que não me digam e que guardem isso para vocês, eu vivo bem assim com o meu fiasco em relação a esta pergunta, e assim, a magia continuar sempre, sempre ....



Uma Didascália

por Miguel Moisés